segunda-feira, 31 de agosto de 2009

CONSTATO, SEM TATO

Minha poesia morreu.
Resta
eu.

(Fabio Rocha)

PRODUZA, CONSUMA, POLUA

O urso polar
busca o gelo fino
mais fino a cada ano.

Nada.
Nada.
Nada.

O gelo mínimo.
O último gelo.

Nada.
Nada.
Nada.

O vento venta.
O urso acha.

Sobe.
O gelo estala.

Abaixo,
o infinito
azul
escuro.

O urso polar
contra a inevitabilidade
salta branco
salivando orgulho
de escolher por último
ser nada.

(Fabio Rocha)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

PARA WORDSWORTH

perante esta competição da cidade
esta solidão angustiada da multidão
também prefiro, Wordsworth,
a serenidade dos campos
e a perenidade das árvores

(Fabio Rocha)

sábado, 15 de agosto de 2009

LIBERTAÇÃO

(Para o frei Dino)

Não há exceção.

Por baixo dos panos pretos
que cobrem os abutres
padres freis frades freiras e fracos semelhantes
(essas pedras intermináveis contra a vida)
há sempre um recalcado
um mendicante de intelecto
com uma fé titubeante
desde que a Terra perdeu o centro do universo,
desde que milhões morreram em suas guerras por um Deus que não responde,
desde que milhares foram queimados em fogueiras sem motivo
(como meu estômago vermelho de úlcera e cólera).

Este recalcado, fraco e covarde ser
passa boa parte de seu não-viver
querendo cagar regras medonhas
sobre dogmas antigos
para acéfalos inúmeros.

Enquanto estava distante
já abominava
(ruminante, mas calmamente)
monografias afora,
apesar dos quase abusos sexuais contra familiares.

Porém, perto...

Perto...

Perto demais...

Perto,
quando da ocasião social formal formosa
(o que os vizinhos vão pensar?)
e a vida, receosa, me apresenta
este morto sem inconsciente
este dinossauro sob um manto negro sem simbolismo
este ser com o hálito podre de outros séculos
querendo duvidar da possibilidade de alguém ser poeta sem um papel comprobatório autenticado,
querendo mandar em como criar meus filhos como futuros acéfalos convictos,
querendo que fizéssemos promessas literais de não-aborto, não-sexo, não-separação,
querendo nos culpar por não irmos ouvi-lo aos sábados,
querendo analisar meu contracheque,
(considerando-se que isso tudo foi a sua demonstração de amizade pelos pais dela)
tudo em mim que era antes sangue
virou ira.

Esse ser fraco que não abre o maldito olho e me encara
(será que seu olho não quer ver o que ele fala?)
que me ouve respirar pesado, vermelho e treme
que não responde as minhas perguntas diretas
que me roubou um sábado da existência feliz
merece um poema.

Merece um poema
já que evitei o murro.
Infelizmente.

Este poema lhe deixo como agradecimento,
meu caro frei bento,
pela honra de não ter que fazer
curso de noivo
pro casamento...

Sim, senhora psicanalista:
raiva também de mim mesmo
antes de tudo por cogitar em casar
na Igreja Católica Apostólica Romana.

Burro.
Só faltava ter sido nos Estados Unidos.

(Talvez haja exceção
mas ela que vá pro inferno,
e entregue ao meu querido Diabo
um papel comprobatório
por falar em nome de Deus.)

(Fabio Rocha)

---

A pastoral do dízimo tem como finalidade acolher, cadastrar, receber e organizar o pagamento dos dizimistas que temem a morte como finutude, além de divulgar a importância desta contribuição para o ouro do Vaticano. O dízimo pode ser pago no horário das missas de sábado e domingo, através de boleto bancário, bankline, cartão de crédito Visa ou Mastercard, ou ainda pelo disque-dízimo. Durante a semana, poderia ser pago na secretaria em notas de cinquenta ou cem reais apenas. Sorria: você está na Barra e Jesus te ama.

---

GUERRA JUNQUEIRO - trecho final do poema "O MELRO", do livro "A VELHICE DO PADRE ETERNO"

"Há mais fé e há mais verdade, / Há mais Deus com certeza / Nos cardos secos dum rochedo nu / Que nessa Bíblia antiga Ó Natureza, / A única Bíblia verdadeira és tu!..."


---

"Talvez não existam psicanalistas no futuro, mas haverá padres." Jaques Lacan

---

"Os dois grandes narcóticos europeus, o álcool e o cristianismo." Nietzsche

---

"Ainda que Deus existisse, nada mudaria. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo." Jean Paul Sartre


---

"Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor." John Lennon

---

Sincronicidades: um incêndio começou na minha janela, enquanto escrevia este poema. Na vegetação da Pedra do Pontal, que marca o início da Praia do Pontal, famosa pela música "Do Leme ao Pontal" do Tim Maia. No dia seguinte, veio a seguinte sorte num biscoito chinês: um incêndio começa com a menor das fagulhas.

---

Mais links sobre o tema:
http://dabusca.blogspot.com/search/label/anti-igreja

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

PRAIANEIRO

Perpasso
sob o céu cinzento
procurando
não estar atento
e totalmente
pisando o momento.

O céu é baixo
de desalento
as ondas fracas
o passo lento.

O esforço (ou o engano)
é não se esforçar
para poder brotar
um novo oceano.

(Fabio Rocha)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

PRAIANÍSSIMO

Vou em direção
ao sol
só meu
(seguindo cada curva).

As ondas
do mar
trazem palavras
silenciosas.

Palavras fortes
contra toda e qualquer
literalidade
superficialidade
materialidade
quebram estrondosas
na espuma.

Urubus as cercam
gaivotas as furam
pombos as cortam
eu as caminho.

Caminhando
mastigo
afirmo
aumento
existo.

(Fabio Rocha)