quinta-feira, 11 de dezembro de 2003

e-book Liberdade (2003) - revisado em 2014








Liberdade


Fabio Rocha




Copyright © 2003 por Fabio Rocha - revisado em 2014

Registro EDA – Biblioteca Nacional
Nome(s) do(s) Autor(es): FABIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: LIBERDADE
No. Registro da Obra: 307027
Livro: 559
Folha: 187
Data de Registro: 11/12/2003
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Liberdade




Editoração eletrônica: Fabio Rocha









Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br






Dedicatória

Para Fellipe Cosme, Ricardo Alfaya e Rodolfo Muanis, os poetas vivos com quem mais convivo e aprendo, mesmo que virtualmente...
Cada linha neste livro leva um pouco de vocês.

















Prefácio
por Ricardo Alfaya*

Caro Fabio,

Acabei de ler seu novo livro, penso que está muito bom. Ao contrário de outras vezes, você partiu de um título aparentemente direto, sem ambigüidade: LIBERDADE. Entretanto, conforme vamos lendo a obra percebemos que a ambigüidade persiste no sentido paradoxal das atitudes e crenças do "eu-lírico", que ora parece crer de fato numa forma de libertação possível, ora desfalece, reconhecendo a impossibilidade de qualquer utopia libertária, até mesmo individual, nesses tempos descrentes e sob o sistema opressivo implementado pelas transnacionais.

Há um aspecto muito original na poesia que você está fazendo, e que ainda não vi em ninguém mais: consiste nesse caráter autobiográfico, quase seqüencial de seus escritos. De certo modo, sua poesia tem algo de romance. Lá estão seu emprego, Marise, seu pai, eu, Tanussi, suas leituras, sua psicanálise. Há um certo toque de Proust nisso, só que você não corre atrás de um tempo perdido no passado, você suspeita da possibilidade do "Carpe Diem", do aproveite agora, do viva agora. Há uma certa noção de que o tempo perdido É AGORA! São tantas as barreiras, os sufocos, os empecilhos para o exercício da "liberdade" (condição inerente ao "ser" humano, segundo Sartre) que não sobra lugar nem para o desespero, ou melhor, até ele se transforma em perplexidade.

E aí entra a questão: fazemos poemas ou poesia? Isto é, existe um certo critério, um certo mandamento de fazer poesia que se torna difícil de atender, posto que a realidade que vivemos é tão sem poesia (num certo sentido, naturalmente), que não há de onde extraí-la. A questão, assim, do de onde "inventar" a poesia se torna recorrente na obra. São questionamentos constantes, persistentes.

Acho que por alguns de seus poemas dá para perceber, suspeitar, talvez de uma certa dúvida sobre quanto a validade poética do que você faz. Na verdade, o problema não está em você. Quando digo que gosto de sua poesia, eu o faço de coração e sei que tenho argumento. Entretanto, nem eu, nem ninguém, detém no momento o poder do critério definidor do que hoje seja boa poesia ou não. Essa é a luta monstruosa e dilacerante que se trava no cenário. É imprudente e inconveniente citar nomes, mas é claro que se A, B e C fazem e defendem um tipo de poesia que não se parece nem de longe com o que você faz, então começa a surgir aquele mal-estar, de que de repente apenas um dos dois está com a poesia, o outro não. Na verdade são premissas falsas, pois a convivência pacífica de gêneros diversificados é perfeitamente possível. Ou melhor, seria, uma vez que a História mostra que os que ficam são sempre poucos. Em geral, os melhores. E quem são os melhores? Ora, a resposta vai depender da boca de quem a disser. Em termos de poesia, vivemos num tempo em que se digladiam opiniões não apenas de pequenos grupos, mas também de poetas individualmente considerados.

Há muito cheguei à conclusão de que o poeta brasileiro contemporâneo não deve contar com qualquer unanimidade. Haverá o grupo dos que dele gostarão. Haverá aqueles que, por variados motivos, nunca lhe darão qualquer oportunidade. As exceções, se existirem, serão pouquíssimas. Porém, nem isso é garantia, pois, embora não chegue a dizer, como Nelson Rodrigues, que toda unanimidade é burra, devemos admitir que pelo menos suspeita ela é. Por certo muitos não ousam questionar publicamente qualquer personalidade muito cortejada, menos por a amarem do que por temor às conseqüências do imprudente gesto. É uma cartada muito alta, que pode até consagrar quem a faça, mas que também pode expor o indivíduo ao ridículo e à execração pública, de maneira irreversível, como é o caso do cidadão que recentemente ousou afirmar na Internet que Drummond não era poeta por nunca ter escrito um poema dentro dos rigores da métrica e da rima.

Um outro aspecto ainda que notei em sua poesia, mais do que das outras vezes, é uma consciência maior sobre a natureza de seu trabalho. Quando você questiona, por exemplo o valor da poesia hermética e obscurantista. Sim, sua poesia é mais voltada para a revelação do que para a obscuridade. Cada volume de suas obras contribui para um melhor entendimento do tempo em que vivemos.

Desenvolvi minha própria poesia muito calcada nesse aspecto, do qual nunca dissociei o conhecimento interior, em razão de minha concepção gestaltiana, holística, integrada do eu e do universo. A velha questão: como dissociar rigorosamente o sujeito do objeto, quando nosso próprio corpo, elemento integrante do sujeito, é, no fundo, um objeto como tantos outros? E como tratar como coisa certos objetos com os quais desenvolvemos ligações afetivas "in extremis", como os poemas que fazemos, por exemplo. Sujeitos ou objetos?

Então, é a poesia de que gosto. Respeito, tento ouvir as motivações de certos autores que se entregam a erudições, hermetismos e preciosismos. Não são inteiramente desprovidos de razão, posso entendê-los. São frutos de nosso tempo de contradição e perplexidade, de ausência de rumo, da distância cada vez maior entre o homem comum das ruas, mesmo o alfabetizado, e o autor de poesia escrita. De que adianta ser compreensível, se quem nos vai ler é uma elite exigente e competitiva, que vai desprezar o que não lhe pareça sofisticado, requintado? E o poeta, sabendo que escreve para um poeta, tornará seu texto cada vez mais fora do alcance do homem das ruas.

Então, todas essas são questões muito interessantes que você traz para sua obra, uma poesia que, no meu entender, tem condições de agradar tanto ao poeta de mente livre, sem preconceitos estéticos, quanto ao público sensível, observador e letrado em geral.

*Ricardo Alfaya é poeta, contista, cronista, ensaísta, editor e jornalista carioca.

Endereço de seu blog Nozarte:

http://nozartecultural.blog.aol.com.br/







PRECIOSIDADE

Valéria tem olhos de medo
como o dos pássaros
pequenos e frágeis.

Há agitação
sob as camadas
de sua plenitude
alva.

Cabelos e plumas se confundem
no lume
que vejo
e que imagino...

Valéria
fala pouco
mas olha muito.

Pra mim, basta.

E sigo, besta
a escrever muito
e falar pouco.

Ah, se nossos silêncios
se tocassem...

5/11/02


DESMOTIVO

Tenho que dar o baço a torcer...

Minhas sinceras congratulações
às psicólogas (sempre a sorrir)
dos processos de seleção
para estágios e trainees.

Eu e meu currículo cheio de página,
línguas, informática, capacitação...
e silêncio.

Talvez seja o silêncio o problema...

Mas também não sou bom ator, não...
E acabo sempre minha participação
na dinâmica de grupo.

Eu, meu silêncio e meu antidinamismo.

Querem pessoas inteligentes, com visão sistêmica e críticas (quem diria?!).
Mas pessoas inteligentes, com visão sistêmica e críticas não quereriam
trabalhar nessa porcaria
e ouvir sermões sobre motivação
para encher mais ainda o bolso mais que cheio do patrão.

Esses contribuintes próativos automotivados
perceberiam a desigualdade imutável
com um pingo de consciência
não quereriam matar indiretamente
crianças africanas de fome,
iraquianas de raiva,
brasileiras de sede...

Não quereriam. Não quereriam...

- Que estou fazendo aqui?

12/11/02


OBRA

Há quatro anos
que,
grudado no meu quarto,
o vizinho
tenta construir uma casa.

Bate, bate
raspa, raspa
berra, berra
quebra, quebra
chapa, chapa
xinga, xinga

Até agora,
só derrubou uns sonhos
e alicerçou uns poemas.

15/11/02


PUSH

Tanques
estadunidenses
atropelam
Coreanas
adolescentes.

Se dirigir
(um país)
não beba.

25/11/02


RE-TRATOS

Apreciando fotos antigas
notei que em algum ponto de minha vida
meus sorrisos se tornaram falsos.

Tratei do tema
fazendo um poema
com poucos pontos finais.

E agora, de fora das catedrais do tempo
sorrio rimas
tentando encontrar nas ruínas
o que perdi.

3/12/02


CONVOCAÇÃO

Venham a mim os loucos
os roucos, os poucos
os perdidos, vencidos e poetas!

Juntem-se a mim
rasgando gravatas
e quebrando televisores!

21/12/02


A_CORDA

Do amor
conheço dor
e ira.

O resto
é coisa de filme
conto de fadas
ou a rara
aparição quase instantânea
(imaginária?)
de um possível
nariz de gnomo
no jardim morto.

29/12/02


MISSÃO

A garça lê
o rio
paciente.

31/12/02


LIQUIDE A DOR QUE FICA

Para Marise

O que aqui gira
é Marisa Monte
biquíni colorido
mentira
lâmina de barbear
asa de anjo
nada
mar
Marise
e uma pitada de faltar.

04/01/03


LÍQUIDA, FICA A DOR

Para Marise

Após adicionares água,
sem mágoa, me pergunto, preocupado,
se misturar beijos e similaridades
pode dar amor como resultado.

07/01/03


ENSAIO SOBRE O ÍNTIMO

A Fellipe Cosme

I.
Abri o livro
e o metralhar de pensagens
me abriu
olhos, janelas e miragens
que nem me sabia haver.

Dentro ficou maior
e
li
a
luz.

II.
Eu quis asas.
Doeu
mas saíram.

Quis voar.
Deu um trabalho danado
mas voei.

Percebi
então
a gaiola
ao redor.

T-R-A-N-C-A-D-A.

Me revoltei
até descobrir
que eu era a porta.

17/01/03, após ler o livro “Vozes Mudas” de Fellipe Cosme


ODONTOSAGA

Minha independência
depende
da extração de ideais.

06/02/03


CONFISSIONÁRIO ATRÁS DO ARNALHO

Tenho lido tantas críticas e análises
profundas literárias
que não entendo mais
o que escrevo.

10/03/03


PROFISSÃO PRIMEIRA

Invisível
na carteira:
profissão - poeta.

12/03/03


SUBÚRBIO

Para os (outros) moradores de Maria da Graça

As pessoas na rua
aplaudem
as casas sem campainha.

05/04/03


NOVA VISÃO DO AMOR

Os amantes se fodem.
O amor não.

Quero a decência
de um amor em decadência
morno quase morto.

O amor tranqüilo
é a paisagem
não vista:
a conformação
do não chegar
ao horizonte.

Paz sem abismo.

17/04/03


JESUS

Há estátuas demais
de assassinos sobre cavalos
políticos corruptos
e heróis de guerra.

Há demais...

Há crianças demais
brincando de ter
de controlar
ou de vencer.

Há demais...

Salvem as exceções,
nossa salvação:
o de menos.

04/05/03


DO SONHAR

Para tia Mayra

Esta noite
sonhei:
estou despertando.

6/6/03


OU MORTE

Na busca
da aprovação alheia
me perdi de mim.

E agora
quase ciente disto
prefiro ao dólar, o capim.

09/07/03


CASAMENTO DE IRMÃ

Para Roberta

Na tarde seguinte
era domingo
e os passos leves
na casa vazia
murmuravam ausência.

Na mesa
três pratos
onde sempre houve
quatro.

20/07/03


LE

quero ser Leminski
como Leminski quis
mas o que faz do Leminski
o Leminski que não fiz?

31/07/03


LIMA

Estou
no limite
de me limitarem.

31/07/03


CARO

Perdi os óculos escuros
e ficou claro
que sou aéreo.

31/07/03


A ÁRVORE E O BARCO

E assim sigo balançando
no barco encolhido
vagarando no mar salgado
sem estrelas acima.

Meus sonhos, convicções e vontades
vão e vem
com as ondas
transmutando-se
em espumas
estranhamente diferentes
chocando-se sem cessar.

Com o vento vejo,
uma multidão imensa
de árvores intensas
e terrestres, firmemente terrestres
me acena.

Às vezes
dá vontade
de não ir...

06/08/03


VONTADE

O caminho se estica adiante
negro com linhas amarelas.

No peito
o fogo do juízo final.

Esse motor interno
(de combustão interna)
externa o corpo
adiante.

26/08/03


METAFORIA

Ler é chão
onde se anda
escrevendo.

26/08/03


LOGÍSTICA

Para o professor Ricardo Motta

Caminhão
é um grande caminho
poluído.

26/08/03


CARAMUJO

Quando falo
da casa
não é a casa
lar
lá.

A casa mora em mim.

26/08/03


SEM FORÇAS PARA UM TÍTULO

Era sexta-feira
e o desânimo batia frio
na vidraça.

As árvores balançavam sem sentido
e o tempo perdido
uivava atrás da casa.

Se ao menos uma certeza...
Se ao menos uma conquista...
Se ao menos uma palavra...

(Era bom quando eu chorava)

29/08/03


APONTA

Na ponta do lápis
me vejo
melhor que em espelho.

31/08/03


PATERNIDADE

Há um rio de esgoto
na cidade aberta
cercado de trânsito
por todos os lados.

Urubus negros
se enfrentam
se afrontam
por detritos
em meio à lama negra.

Não quero ser
mas sou
um deles.

A garça branca
contrasta sozinha
com olhos de silêncio...

Ali, no meio,
uma estátua...
uma morta...
silenciosa e incrivelmente branca.

E por mais que eu voe
por mais que me afaste em minha negridão
sempre há uma garça branca
na beira do rio
olhando
lá do alto
de seu silêncio alvo
os que não querem
lutar por restos.

04/09/03


PREPARAÇÃO PARA UM MESTRADO EM LETRAS COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DE CARREIRA (DO ESCRITÓRIO PRA SALA DE AULA)

Após um dia de labor,
procurei por duas horas
um texto sobre mímesis.

Achei um autor
que escrevia há dez anos
sobre o tema.

Li por dezenove minutos
o único livro encontrado na biblioteca quase fechando
e não entendi nem o que era mímesis.

(Ou achei a década perdida
ou sou o elo perdido...)

No caso,
corri
pro carro.

O automóvel
defronte
me mandava sorrir a fronte:
Jesus me amava.

Não sorri.

12/09/03


DA VARANDA DO APARTAMENTO NO RECREIO DOS BANDEIRANTES

Dois imbecis
tentam acertar
pedras no jacaré.

Por sorte
o rio
é suficientemente largo
e as duas mentes
maravilhosamente curtas.

Tiros n´água...
Tiros n´água...
Desistem.

Algo me diz
que o jacaré (impassível)
sorri ao sol.

4/10/03


FOLHAS

A Fernando Pessoa

Ventou
à noite.

Eu
vi
ventar.

Não bastasse isso, era noite.

E era tão forte
tão longo
tão bravo
que era meu.

Eu, espantalho espantado
ventava.

Eu ventava à noite
orgulhoso.

Eu ventava
a noite.

. . .

Ventei a noite
pra me provar grande
(do tamanho de minha insatisfação)
e a manhã trazia rastros de nuvens lá no alto.

10/10/03


ENCONTRO NÃO MARCADO: ESCRITÓRIO

Algo aqui não me deixa fazer
internamente não faço
e se quero ou não quero não sei
só sei que não faço
e passo a passo
me atraso.

(O próximo passo:
a vida que passou.)

15/10/03


POETRIZSCHE

Nietzsche era
antes de tudo
um nome difícil.

15/10/03


TEJE PRESO

Estudando pro mestrado nesta data
descobri surpreso
o significado da palavra ilação.

(Quando eu usar isso num poema
me prendam.)

17/10/03


EMPREGO INDUSTRIAL VOLTA A CRESCER DEPOIS DE 6 MESES, MAS A RENDA DOS TRABALHADORES CAI

What a
wonderful
world (trade center)

17/10/03


A TIRA

calei dos copos
com o agudo
de minha ira.

20/10/03


TO WORK IN THE OFFICE

É com esses grilhões
que minha poesia
se liberta.

20/10/03


FRIOZINHO SOCIAL

É mais fácil
conviver com o ar condicionado
que me condicionar ao convívio.

22/10/03


DO INCONFORMATISMO INCONFORMISTA INCONFIDENTAL

Nada me basta.

Busco a pasta que não há.

Para o interior!
do país
do eu
da pasta...

Não há pasta.

Procuro a fechadura
o cadeado
a tranca
pois quero abri-la
decifrar seus mistérios cristalinos
colarinhos brancos
forcas
e higienizar o céu!

Não há pasta.

22/10/03


RESMA

A Mario Quintana e Manoel de Barros

A hora segue
com seu brilho escorrendo
onde lentamente passa...

(A hora tem anteninhas de ponteiros e não fazer)

24/10/03


MIRROR

O pior
do monstro
é a nossa
semelhança.

26/10/03


VAGAROSAMENDOEIRA

Não quero nada além disso.

Eu, vento, fim de tarde, andorinhas
caneta e papel.

Não desejo mais dinheiro
nem semear o amanhã.

Não quero amar ou ser amado
não quero nem livro editado!

Quero ser meu amigo.
Nada além.

27/10/03


PACÍFICO

Procuro não procurar
algo para ser encontrado
pois a busca é meu estado
de repouso.

29/10/03


TEMPOS MODERNOS

Por exemplo:
percebo as editoras
selecionando poetas não-entendíveis
e reclamando que poesia não vende.
(Quem vai comprar o que não entende?)

Para clarear a mente
vou caminhar horas e horas
na esteira
e não sair do lugar.

1º/11/03


POEMA CERTO POEMA

Para Marise

Uma coisa boa neste fim de semana foi que aparei as unhas inclusive a dos pés e cortei a barba o relacionamento não pois nos abraçamos como se o calor do corpo do outro fosse necessário para a sobrevivência na realidade fria e carinhosamente falamos palavras como navalhas cortando o resto de futuro com sangue e dor e dor (um pouco de orgulho e raiva) e carinho no abraço gostoso que parecia eterno até o outro corte em que mastiguei minhas bochechas cheias de aftas e ela foi pra casa e não me importei se chegou ou morreu no caminho dormi tranqüilo como um anjo revoltado o domingo quase me deu gastrite e acordei quase tonto segunda-feira sem saber se ia ou vinha nem se a tinha ou não a tinha na verdade não acredito em fim nem em mim mas está tudo definitivamente quase acabado mesmo sem nenhum de nós dois acreditar ou saber o que quer talvez que vontade de ligar pra ela ou não quem sabe?

3/11/03


POEMA UM

Recomeçar.

Com o peso me pesando os pés e a pele.
Nem uma palavra disposta a pingar no papel.

Rachel de Queiroz morreu.
Amor acabou.
Verbo transitou.
Vento... E daí?
A chuva chora. Só a chuva.
E daí o vento, meu Deus...

Transborda o tempo: sobra.

É silêncio como nunca fora.
E acho constantemente
que podia ter feito, sido, estado, lutado
mais.

Mas...

4/11/03


DA DOENÇA

A gripe
é um tipo
de libertação.

Não tenho que estudar
porque estou gripado.

Não tenho que mostrar
como sou bom no trabalho
porque estou gripado.

Não tenho que lutar
pelo amor perdido
porque estou gripado.

Esse meu poema...
Bem, estou gripado...

6/11/03


FIM: MAL EXPLICADO

Decepção é quando se vê
silêncio
onde deveria haver
cumplicidade.

(Acendo uma fogueira de ódio
pro frio passar mais fácil.)

9/11/03


FIAT LUX

A Carlos Nejar e Marco Lucchesi

Se sou palavra
não serei a mariposa:
borboleta desfeita
em ausência.

Se a luz brota
atravessa
colore
transforma
via palavra...

A larva da sombra
contínua
com vaga
lembrança
do que foi
do que se foi
apaga.

Apaga agora!
Apaga que eu quero
brilhar.

Palavra é poder
e eu posso querer.

Sem raiva
ou reclame
há um mundo
a ser mudado
e sou soldado
na palavra.

17/11/03


ARMADURA DE OURO

Para Gislaine Mirella

Nunca sinta:
“Você é tudo
pra mim.”

(Se sentir
não diga...)

Ninguém gosta
de quem se contenta
com pouco.

24/11/03


(Fabio Rocha)