quarta-feira, 13 de novembro de 2002

e-book Caminho a manhã (2002) - revisado em 2014







Caminho a manhã

Fabio Rocha




Copyright © 2002 por Fabio Rocha - revisado em 2014

Registro EDA – Biblioteca Nacional
Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: CAMINHO A MANHÃ
No. Registro da Obra: 273656
Livro: 492
Folha: 316
Data de Registro: 13/11/2002
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Caminho a manhã

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br






Prefácio


Fabio Rocha é na poesia contemporânea um fabuloso exemplo de como podemos encurtar o verso sem perder a poesia. Com seu incrível poder de síntese, vai sugando nos dias que correm as metáforas que passam desapercebidas aos olhos daqueles que não param para observar um pouco além do óbvio.
Entre a política e o amor, vai deixando o seu legado poético repleto de fortes mensagens, que mereciam ser repetidas ao microfone em alto e bom som. Por vezes romântico, por vezes panfletário. Seu Auto-Retrato como ele mesmo define é incapaz de decifrá-lo (Nas ruas / sou sério / calado / careca. / Na Internet, / sou poeta). É exatamente assim que conhecemos Fabio numa primeira conversa, para só depois descobrir que quando ele diz poeta não é mera brincadeira, tão comum no meio virtual. Autor de 4 e-books e um primeiro livro pela editora Papel & Virtual, a palavra poeta é como uma respiração ofegante que o acompanha no dia-a-dia. Por vezes sério como Drummond (O silêncio salta / faz piruetas e dança, invisível / pelo espaço intransponível / que separa eu de mim.), por vezes repleto de humor como um Veríssimo (Eu não vou falar de mulher. / Olha a seleção / e os problemas de ereção / do Pelé...).
Ler os seus poemas é mergulhar no universo da poesia e da música clássica para poder compreender a grandeza das imagens que cria em seus versos. É querer saber quem são estas tantas mulheres que atravessam sua vida fazendo-o negar as próprias metáforas (Estou farto / de usar as mesmas metáforas / pra falar das mesmas dores... / Quero dores novas!).
Assassino e inquieto, Fabio é incapaz de calar seu verso a qualquer simples aberração que reprove na televisão. E sua arma para cometer o crime é nada mais que um lápis, uma caneta, um teclado. O poeta revoltado joga na cara do povo sua medíocre condição humana (Domingo só tem babaca / fazendo programa / pra babaca assistir / na tv.). Deste modo segue Fabio Rocha, caminhando a manhã e criando asas nos seus leitores para que estes possam cada dia ir mais longe, assim como ele está indo com a sua poesia.

Rodolfo Muanis, Outubro de 2002










“O melhor caminho é o do meio.” - Príncipe Sidarta (Primeiro Buda)











HEGEMONIA – O LEGADO

Seguindo a cartilha neoliberal
global-estadunidense
chegamos na beira do caos
ou no quase fascismo...

O privado é público,
o público é privado
e o Estado é privada...

Eis a nada simples missão
de nossa geração:

Estatizar o Estado,
consumir o consumismo,
democratizar a democracia
e reviver a vida.

22/5/02


AUTO-RETRATO

Nas ruas
sou sério
calado
careca.

Na internet,
sou poeta.

29/5/02


LONGE, LONGE

Para Drummond

Ando, ando...

Bancos vazios
em corredores soturnos.

Prédios noturnos
me observam calados.

Rostos, vozes
tudo, tudo
longe, longe...

O silêncio salta
faz piruetas e dança, invisível
pelo espaço intransponível
que separa eu de mim.

Não ouço meus passos
mas não importa
pois nem eu nem cada porta
por que passo
compreende esse trajeto.

Seguro
com as estrelas
o peso dos véus,
do escuro
e da ausência
inadmissível
intocável
intransponível
inassimilável.

O vento venta
mas venta pouco.

Quem dera a paz...
Ventasse mais...
Ventasse mais!

E expulsasse
de minha mente enfumaçada
as centopéias indecifráveis
que me fazem não achar.

UERJ - 6/6/02


NÃO FALAR

Eu não vou falar de mulher.
Olha a seleção
e os problemas de ereção
do Pelé...

Eu não vou falar de mulher.
Quero saber da novela
e se o clone fica com ela...

Eu não vou falar de mulher.
Não quero isso
nem o Thyrso.

Eu não vou falar de mulher.
Vou ficar sozinho
assistindo o Ronaldinho
correndo, correndo...

Como corro de mim.

7/6/02


SOLUÇÃO

Quero endorfina na veia
ou conseguir amar
uma mulher feia.

7/6/02


QUASE

A loucura me chama.
Chama tão próxima
que quase queimo.

7/6/02


INSETO

Para A.

Já perdi as contas
dos sonetos que li
de Neruda.

E continuo
incerto
quanto ao amor e ao âmbar.

27/6/02


A MARCA DA AMARGA AMADA ALÉM

Minhamada além
é quem?

Além daqui...
lá, lá, lá no lar
de não sei quem
dorme possivelmente
(cansada de procurar)
minhamada além.

Poderia ser Madalena
mas e a rima do poema?

Minhamada além
é quem?

Ah, se eu soubesse amar...
Ah, se eu soubesse achar...

É acima
avante
adiante
além além além...

Na noite escura
é a estrela de grandeza dura
que não vem.

7/7/02


PAPEL

De todo o silêncio
ouço só o esplêndido
silêncio das árvores.

Pois o silêncio de quem fala
e cala
é incompleto.

Por isso, ouço o silêncio
distante
das árvores que nunca vi.

8/7/02


PÓS-FÁCIL

Para Elaine Pauvolid

Aliás,
ver você
poeta e musa
musa e poeta
de vermelho...

Aliás,
ler você
entregue ao trago
(cheio de um estilo estranhamente reconhecível)
perdida e achada,
pichando meus muros
nos domingos sozinhos,
afugentando a felicidade,
completa, repleta e secreta
com borboletas, letras e pássaros artesanais,
Deuses infernais
e querendo aprender a mentir...

Me fez sorrir
por todo o longo caminho
de volta, sozinho.

(Pois me vi
em ti.)

16/7/02


REPETECO

Estou farto
de usar as mesmas metáforas
pra falar das mesmas dores...

Quero dores novas!

17/7/02


CRISÁLIDA DE CARNE

Quase tonto
quase tento
sair.

Só não sei como
rasgar o que sou
sem ferir.

28/7/02


TROVÃO

Tudo comigo é difícil
porque tenho essa mania
de querer que o impossível
rime com poesia.

28/7/02


NOITE

A noite é escura
demais.

Preciso de espaçonaves alienígenas,
preciso de Platão, de Aristóteles, de Pitágoras, de Drummond...
preciso de um Deus
melhor.

13/8/02


CAIXÃO

A Roger Waters

Eu queria comprar
uma caixa grande
pra ter onde colocar
(em ordem alfabética)
as cartas de amor, as fotos, os presentes
e a dor
de minhas três
ex-namoradas.

Eu queria comprar
uma grande caixa
para morar
bem longe, sozinho, longe, sozinho e longe...

Eu queria comprar
um gigantesco cadeado
pra me fechar pra sempre
e não querer abrir.

15/8/02


TARDE DEMAIS

O som do céu é surdo.
O azul, absurdo.

Absorto,
observo a letra F farfalhar
o fim.

19/8/02


CAIXOTE

Perdido estou.
Perdido vou ficar.
(Com ou sem você.)

Não há tempo
(nem vontade)
pra me achar
na vida.

Mas o desencaixe
me encaixa
na arte.

21/8/02


TOCAR

O telefone não tocou.

Ligo a tv.

Domingo só tem babaca
fazendo programa
pra babaca.

Vejo um ser humano
tocando gaita com o nariz
consciente da babaquice mútua
no meio da tarde.

Mas mesmo assim
babacamente percebo também
o telefone mudo.

8/9/02


SOFRER

Preciso de
estrume
pro poema
florescer.

13/9/02


GEMINI

Ao Moska

Quem me separou
de mim?

Ergo e destruo pontes
erro aos montes
luto-me esgrima
me me afasto
do que nos aproxima.

Cortes múltiplos
mortes súbitas
fendas, muros e murros
sabedoria de burros...

Em dia nenhum
dois serão
um.

13/9/02


BAIXO

Destampem os ouvidos:
eu não vou gritar meus poemas.
Não quero crescer assim minhas certezas.
(Elas são pequenas e tímidas como eu.)

Nem farei piruetas,
ou virarei cambalhotas
para compensar as alegorias poucas dos versos
e as alegrias poucas da vida.

Minha poesia tem vergonha
de acordar o sonho do silêncio.

17/9/02


POETETRIX

Meu cabelo cresce,
minhas unhas crescem,
minha barba, insistentemente, cresce
e eu não cresço.

23/10/02


TAMBÉM JOSÉ

A Drummond

Vivemos no concreto
sem comer nada natural
sem beber nada natural
sem ser natural
e querendo preservar a natureza.




(Fabio Rocha)