sábado, 15 de agosto de 2009

LIBERTAÇÃO

(Para o frei Dino)

Não há exceção.

Por baixo dos panos pretos
que cobrem os abutres
padres freis frades freiras e fracos semelhantes
(essas pedras intermináveis contra a vida)
há sempre um recalcado
um mendicante de intelecto
com uma fé titubeante
desde que a Terra perdeu o centro do universo,
desde que milhões morreram em suas guerras por um Deus que não responde,
desde que milhares foram queimados em fogueiras sem motivo
(como meu estômago vermelho de úlcera e cólera).

Este recalcado, fraco e covarde ser
passa boa parte de seu não-viver
querendo cagar regras medonhas
sobre dogmas antigos
para acéfalos inúmeros.

Enquanto estava distante
já abominava
(ruminante, mas calmamente)
monografias afora,
apesar dos quase abusos sexuais contra familiares.

Porém, perto...

Perto...

Perto demais...

Perto,
quando da ocasião social formal formosa
(o que os vizinhos vão pensar?)
e a vida, receosa, me apresenta
este morto sem inconsciente
este dinossauro sob um manto negro sem simbolismo
este ser com o hálito podre de outros séculos
querendo duvidar da possibilidade de alguém ser poeta sem um papel comprobatório autenticado,
querendo mandar em como criar meus filhos como futuros acéfalos convictos,
querendo que fizéssemos promessas literais de não-aborto, não-sexo, não-separação,
querendo nos culpar por não irmos ouvi-lo aos sábados,
querendo analisar meu contracheque,
(considerando-se que isso tudo foi a sua demonstração de amizade pelos pais dela)
tudo em mim que era antes sangue
virou ira.

Esse ser fraco que não abre o maldito olho e me encara
(será que seu olho não quer ver o que ele fala?)
que me ouve respirar pesado, vermelho e treme
que não responde as minhas perguntas diretas
que me roubou um sábado da existência feliz
merece um poema.

Merece um poema
já que evitei o murro.
Infelizmente.

Este poema lhe deixo como agradecimento,
meu caro frei bento,
pela honra de não ter que fazer
curso de noivo
pro casamento...

Sim, senhora psicanalista:
raiva também de mim mesmo
antes de tudo por cogitar em casar
na Igreja Católica Apostólica Romana.

Burro.
Só faltava ter sido nos Estados Unidos.

(Talvez haja exceção
mas ela que vá pro inferno,
e entregue ao meu querido Diabo
um papel comprobatório
por falar em nome de Deus.)

(Fabio Rocha)

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A pastoral do dízimo tem como finalidade acolher, cadastrar, receber e organizar o pagamento dos dizimistas que temem a morte como finutude, além de divulgar a importância desta contribuição para o ouro do Vaticano. O dízimo pode ser pago no horário das missas de sábado e domingo, através de boleto bancário, bankline, cartão de crédito Visa ou Mastercard, ou ainda pelo disque-dízimo. Durante a semana, poderia ser pago na secretaria em notas de cinquenta ou cem reais apenas. Sorria: você está na Barra e Jesus te ama.

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GUERRA JUNQUEIRO - trecho final do poema "O MELRO", do livro "A VELHICE DO PADRE ETERNO"

"Há mais fé e há mais verdade, / Há mais Deus com certeza / Nos cardos secos dum rochedo nu / Que nessa Bíblia antiga Ó Natureza, / A única Bíblia verdadeira és tu!..."


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"Talvez não existam psicanalistas no futuro, mas haverá padres." Jaques Lacan

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"Os dois grandes narcóticos europeus, o álcool e o cristianismo." Nietzsche

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"Ainda que Deus existisse, nada mudaria. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo." Jean Paul Sartre


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"Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor." John Lennon

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Sincronicidades: um incêndio começou na minha janela, enquanto escrevia este poema. Na vegetação da Pedra do Pontal, que marca o início da Praia do Pontal, famosa pela música "Do Leme ao Pontal" do Tim Maia. No dia seguinte, veio a seguinte sorte num biscoito chinês: um incêndio começa com a menor das fagulhas.

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Mais links sobre o tema:
http://dabusca.blogspot.com/search/label/anti-igreja

5 comentários:

Ígor Andrade disse...

Um grande poema, meu amigo!
Eu ando ainda mais cansado dessa falácia religiosa desses "acéfalos convictos".
Gostaria de escrever algo tão forte e furioso.
Abraço!

Onishiroi disse...

HUHAUHAUHUHUHHAHAUHAUHAUHAUHAUHUAHUAH
Eu ADORARIA que minha face pudesse ser vista enquanto dou essa risada! Poderiam até fazer um novo coringa!

Deixe-me ressucitar um de meus falecidos (cruxificado, no caso) poemas....



Em nome da cruz

Em nome da cruz continua a marcha
O sacro-santo símbolo da morte perto ao coração
As tochas queimando sempre a mão
Em homenagem ao santo da procissão que segue

Pela espada segura de cabeça pra baixo
Erguem espadas de lâmina afiada
Acorrentam bruxas, afugentam fadas
Pelo bem da virgem de prole farta

Crescei e multiplicai-vos, diz o ditado
Mas por favor, não procriai-vos
Crescei, crescei grandemente
Mas apenas embaixo da abóboda sim?

Em nome da cruz eles vêm a mim
Morte aos que matam, dor aos que a causam
Dê-me seu ouro e perdoados pecados
O caminho do céu tem um mapa à quem pode comprá-lo

Pelo símbolo da morte continua a marcha
Não a inverta ou sentirá a faca
Pedro a inverteu e o idolatramos
Mas ele era santo e tu não tanto

A salvação há apenas naquele que é
Mas vá a igreja, pague pela fé
Não idolatre homens ou símbolos
Apenas os santos, a cruz, o pai dos pais...

Glória aos pais sem filhos legítimos
Que passam adiante a bastarda hereditariedade
Deus salvará das chamas os puros
Mas não preciso provar, desperdício de fogo

O único caminho é a igreja pelo homem inventada
Queimam Eva, Noé, Abel e até Cristo
Fiéis mortos antes da invenção desta
Deus está em todo lugar, mas você tem que ir visitar

Ouça o pai-nosso, a prece mais pura
Mas incompleta, ouça mil outras mais
Somos os símbolos da compaixão
Da heresia, falsidade e traição

Não há caminho do meio de olhos vendados
Apenas bons e maus de olhos fechados




Um dos meus poemas favoritos. Fato, encontros de filósofos e poetas com padres comummente resultam em ira e risadas. Frequentemente um com a ira e outro com a risada.
Ja-ne. E pensar que o dia começou bem.

Fabio Rocha disse...

Obrigado, Ígor!

Shonin, puuuuutz, que poema bom!

Que bom sentir uma união na revolta contra essa hipocrisia, nessa idiotice secular que pais perpetuam em filhos mais ou menos crentes, que mais ou menos vão deixando, pelo costume ou pela conveniência, que bestas como essa sigam vivendo do dinheiro de quem doa e se enchendo de ouro ao invés de seguir a caridade cristã... Meu radicalismo contra isso agora está aceso! :)

Bom ter mais loucos comigo... :D

B. disse...

...

o que EU poderia dizer?

NADA.

NADA mesmo.

Fabio Rocha disse...

Você é suspeita, B. :)