terça-feira, 16 de março de 2010

GRAVATA

Para Caio Fernando Abreu

O sábado sempre acontece por detrás das janelas agora... Mas já houve um tempo em que no sábado eu estava no sábado. E era quente e bom. Olhava os passarinhos e, de tanto estudar seus movimentos, acreditava saber racionalmente os segredos do vôo. Só me faltavam braços mais gordos, mais asas. Asas que eu treinava gritando "Homem-Pássaro" com as folhas das palmeiras que livremente arrancava... Espanava, espanava, corria mas não conseguia subir. E nem me importava. Nos sonhos também, eu só conseguia pular alto e cair devagar pelo ar, flutuando por saber o segredo dos pássaros. Sábados aéreos. Ilimitados. Rios no quintal com a mangueira... Olhar a água penetrar a terra, criar o novo, levar embora o antigo... E o fogo das fogueiras. Meu avô fazendo maria-preta pra subir na noite negra, breve e leve e mágica. Balões com fogos nos chamavam de quando em vez pra fora. A tartaruga sempre perto para alguém tropeçar... Lagartas que viravam borboletas nas garrafas... E, eis que o domingo se acaba e antecede o final de tudo. E a música dos Trapalhões são trombetas do inferno vindouro fora da casa da minha avó. E o mundo tem peso de novo.

(Fabio Rocha)

17 comentários:

Anônimo disse...

Esses dias em que se vive o dia presente, passam rápido.

Gostei do texto e da ilustração, uma boa nostalgia.

Beijo.

Canteiro Pessoal disse...

Fabio,

é intenso, tão belo do belo, o que acabo de ler e reler com gosto de mais, o ficar. É choro delicioso, o som de um silêncio que não anuncia bruma. E se encontra nos olhos o olhar ao som do infantil na infância por confirmar a boca que sorri, pronunciando o nome.
No momento, minhas forças se esgotam porque ao penhasco se joga, e lá no fundo não habita em meu âmago o receio da redescoberta, assim como se arranca a primeira camada da pele.

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"Saí de casa, era uma manhã fria, sem Sol, em que as árvores pareciam mãos enormes buscando a Primavera no céu sem cor...e a chuva caía...caía...
Comecei a andar, abri o guarda-chuva, a rua parecia-me imensa, toda branca, beijada pela chuva. Os pardais voavam nas árvores talvez lobrigando nelas flores, Sol. Senti que era Inverno.
Virei a esquina e ali no chão estava uma bolinha castanha que já não chamaria mais a Primavera... fiquei parada, contemplando o passarito, como se ele fosse um sinal vermelho que me impedisse de avançar.
Olhei, olhei mais, vi uns olhos abertos, uns olhos sem vida e aquelas penas castanhas...não mais enfrentariam o vento...
Não podia fazer nada. Andei. No ar voavam mais pardais e aquele ali, jamais voaria. Andei. Ouvi a mulher das flores a apregoar e a carroça das hortaliças que chiava longínqua.
Na calçada soaram enfim os meus passos, caminhando sozinhos com a chuva...
Olhei para o céu, brilhava nele o Sol, a chuva tinha parado e o arco-íris era uma cavalgada imensa para o infinito...
Pardal...nascia a manhã dos pregões, das conversas, nasciam nos ninhos mais pardais e aquele sozinho, perdido na multidão das pedras brancas, jamais esperaria o Sol, as flores, o arco-íris, estava morto, enfim".

Lopes, Adília

Abraços belo pássaro!

Priscila Cáliga

Angel disse...

Deu saudades da minha infância...

Adorei ler este post!

Abraços, poeta.

P.S.: Quem é o cara da foto?

Fabio Rocha disse...

Lara, obrigado! Nostalgia é o nome de uma música linda do Yanni, conhece?

Priscila Cáliga [:)], a história de pássaros que não voam é sempre triste... Mais ainda quando mortos. :) Mas gostei do fluir do texto com que nos brinda. Obrigado! Abração

Meu Anjo, o cara da foto do desenho desconfio ser eu, ou eu dentro de um robô gigante para combater os aviões-naves baseados no Pirata do Espaço (desenho velho)... :) Talvez. Faz tempo... Não entendi bem foi o sol triste...

Angel disse...

Ahh, eu sabia que era isso! ("eu dentro de um robô gigante para combater os aviões-naves baseados no Pirata do Espaço").

E o sol triste realmente é um mistério, afinal, acho eu que você estava quase ganhando a batalha!

Fabio Rocha disse...

Eu também via Spectreman e Ultraman. :P

Beatriz disse...

de uma beleza integral

Fabio Rocha disse...

Obrigado, Beatriz! Beijos

Valéria lima disse...

Quanto mais eu leio Caio F. Abreu, mais entendo suas palavras. Em um fim de semana, na simplicidade ele encontrou a renovação.

BeijooO'

Adriana Godoy disse...

Um belo fragmento do Caio. Nostalgia, inocência, memórias ricas de sentidos. beijo.

ana p disse...

O desenho é uma delicia....
Bj

Nadine Granad disse...

Texto delicioso de ler!!!
... E mais ainda... desenho sensacional!!! =]

Abraços com cheiro de infantices!...

... Falando-se em neologismo...
"Um menino nasceu. O mundo tornou a começar"
Guimarães Rosa.

Fabio Rocha disse...

Gente, o texto e desenho são MEUS, homeagem ao Caio que ando lendo muito... Bom sinal terem confundido. :) Beijos

Cria disse...

Bela postagem, como sempre vejo por aqui ! Muito bom o teu espaço ! Um beijo e um carinho.

Nadine Granad disse...

... eu sabia ;)

Anônimo disse...

gostei do texto. e do desenho. muita nostalgia, né?

:**

Fabio Rocha disse...

Pois é... Beijos!