terça-feira, 3 de julho de 2001

e-book Na Medida do Impossível (2001) - revisado em 2014










NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL


Fabio Rocha




Copyright © 2001 por Fabio Rocha - revisado em 2014

Registro EDA – Biblioteca Nacional:
Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL
No. Registro da Obra: 233566
Livro: 412
Folha: 226
Data de Registro: 3/7/2001
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Na Medida do Impossível

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br






PRÓLOGO PARA UMA POÉTICA DO IMPOSSÍVEL

por Ricardo Alfaya

Depois de “A Magia da Poesia”, 2000, livro de estréia no qual o poeta carioca Fabio Rocha reuniu uma seleção de poemas escritos desde 1994, o Autor brindou seu público, em março deste ano, com o belíssimo “Tudo pelos Ares”, sobre o qual também tivemos o prazer de tecer alguns comentários. Embora tenha apenas 25 anos de idade, o trabalho de Fabio tem chamado a atenção dos leitores de poesia, além de vir obtendo diversos prêmios em concursos. Assim, estimulado pela boa receptividade, praticamente em seguida ao lançamento anterior, o poeta oferece este “Na Medida do Impossível”, que, justamente pela proximidade no tempo com “Tudo Pelos Ares”, incentiva a observação das sutis nuances diferenciais presentes no terceiro trabalho, nas quais se percebe a expressão da singularidade que o constitui.

Para começar devemos admitir que, individualmente considerados, quaisquer dos poemas de “Na Medida do Impossível” poderiam figurar em “Tudo pelos Ares”, sem prejuízo das qualidades de unidade de conteúdo, originalidade de discurso e sabor da palavra tão ressaltadas por nós naquela Obra.

Por outro lado, se enganará quem, em função disso, imaginar que “Na Medida do Impossível” seja apenas mera repetição. Na verdade há um “plus” neste terceiro livro, pois o conjunto de poemas, escrito no período de fevereiro a junho de 2001, assume um certo caráter de diário. A substituição do diário em prosa por um fazer poético quase diário assinala uma das tendências da produção poética contemporânea, sobretudo nos tempos pós-Internet. Já a poeta Rosy Feros teria sugerido o fenômeno, ao intitular seu belo e premiado livro como “Tecendo Diários”. Aliás, não sem razão, Rosy vem desenvolvendo animadamente a atividade dos “blogs”, sistema que constitui um retorno aos diários, mas em forma pública e eletrônica pela Rede. Entretanto, se Rosy o sugere, Fabio Rocha torna explícito o fenômeno da substituição, quando o refere claramente no poema “Diário”. O mesmo poema soma ainda um outro ingrediente, que diz respeito à própria proposta do livro como um todo, assunto sobre o qual falaremos mais adiante. Repare-se, a propósito, no texto mencionado:

DIÁRIO

Parei de escrever
diários.

Agora
minha poesia quase diária
já fala sobre tudo
que não faço.
E não tenho
que pôr pingos nos is.

Assim, tudo que o poeta experimenta e com que interage eventualmente se pode tornar objeto de sua pena: o telefone ocupado, a notícia do jornal, a imagem na tela da TV, a lembrança da namorada, a borboleta que passa (ou que se imagina que passa), a efêmera peculiaridade de um determinado momento. Em geral o registro é curto e não se limita à tentativa do relato conforme a realidade, no que se diferencia da linguagem dos diários. Os fatos são transformados em razão das urgências poéticas do Autor. Desse modo, a poesia, enquanto diário, revela-se, paradoxalmente, um antidiário.

Porém, não apenas por essa razão constitui um antidiário. Ao leitor não terá passado despercebido o sutil detalhe do poema acima transcrito: a poesia de Fabio, enquanto diário, diz daquilo “que não faço”. A afirmação provoca estranheza. Afinal, em poucas obras de poesia se constata a presença de um poeta tão variado e itinerante. Desde seu livro de estréia, Fabio Rocha percorre atento o movimento das menores coisas, caminhando reflexivo, lírico e lúdico por notável diversidade de temas.

Observe-se que eu disse “caminhando”. Também Cecília Meireles, poeta expressamente homenageada nos versos de Fabio, tinha essa característica da observação das coisas. Quem lê Cecília, tem a sensação da riqueza do mundo. Cecília inúmeras vezes desce às minudências das coisas, capta detalhes de folhas e insetos, o significado de um gesto, da transformação de uma linha da face. Porém, quando estamos com Cecília não temos a sensação do poeta em movimento; sim, pleno de atitude contemplativa.

De outro modo sucede com a poesia de Fabio que se mobiliza junto com o movimento das coisas e do mundo. Ele não apenas contempla, interage, está dentro do absurdo vulcão dos acontecimentos. Fabio cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante cinco anos, sem concluir o curso. Optou pelo de Administração de Empresas, que faz atualmente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Em sua poesia ele fala de seu trabalho e de seu estudo, bem como de tudo que lhe sucede: elogia, briga, dialoga, sofre, diverte-se, critica, "chuta latas", ama, manda "tudo pelos ares"; sobretudo, os "ares" da Rede, conforme me observou numa de suas mensagens.

Logo, esse “que não faço”, longe de relacionar-se com um estado de inatividade permanente do Autor, vincula-se a dois outros aspectos. O primeiro equaciona de maneira sutil o fazer da poesia com o imprescindível tempo de ociosidade necessário ao fazer artístico. O tempo do poema é, portanto, o tempo do “não-fazer”, o tempo “inútil”, isto é, o registro diário poético somente se pode dar quando o indivíduo se vê por fim desembaraçado das “utilíssimas” e estressantes obrigações impostas pela sociedade contemporânea, sem as quais não é possível sobreviver. Daí, a opção pelo poema de linguagem concisa, verdadeiros “cortes” impostos pelo poeta aos ditames da realidade. Realidade que absolutamente não aceita e com a qual não concorda, atitude expressa em vários poemas, e bem claramente no belíssimo trabalho intitulado “Para Álvaro de Campos”.

Temos aí, portanto, o primeiro ângulo em que a “medida possível”, o poema conciso, medida imposta pelo escasso tempo e condições em que o poeta é forçado a trabalhar, resulta numa “medida impossível”, posto que desfalece o poeta numa sensação de incompletude. Por incompleto, rarefeito e disperso, ignorado pelas grandes editoras e apartado de um público mais amplo, e ainda em meio ao tiroteio das cada vez mais múltiplas e individualizadas manifestações da poesia existente, o “fazer” termina por assemelhar-se a um “não-fazer”.

Quanto ao segundo aspecto, do “que não faço”, ele encaminha à reflexão maior que atravessa a Obra. Reflexão que, no início desta apresentação, dissemos tratar-se de um importante diferencial em comparação com “Tudo pelos Ares”. Refere-se à união criticamente realizada pelo poeta entre a crise poética e as crises social, política e existencial.

A primeira pista aparece já no título do livro. Em seguida, ganha maior nitidez com a alusão introdutória à Obra, feita a partir do seguinte trecho do poema “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo (...)”

Por fim, o significado surge inteiro após a leitura dos diversos textos, quando chegamos ao excelente poema-título, estrategicamente colocado no final do livro, o último que se lê, no qual o Autor retoma e amarra a idéia central que lhe inspirou a organização do conjunto:

NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL

Queria arrombar com versos pesados
as portas do Paraíso.

Escritos com o sangue dos expulsos
e a revolta das gerações infindas.

Queria voltar ao que nos pertence
com um poema
na medida
do impossível.

Portanto, o segundo significado para aquele “não-fazer” diário, correlaciona-se com a aparente ausência de sentido daquilo que fazemos em nosso dia-a-dia, o que inclui o próprio fazer poético. Se o que fazemos não “faz sentido”, equivale, em última instância, a um “não-fazer”. Logo, o “Paraíso” aludido no poema tanto pode ser percebido num sentido físico (social e político), metafísico, quanto metalingüístico.

Pode-se com propriedade concluir que Fabio Rocha se insere na herança cética e nihilista que vem desde nomes como Fernando Pessoa e Drummond. Ceticismo e nihilismo esses que se tornaram constantes e cada vez mais recorrentes na poesia em geral praticada nas duas últimas décadas anteriores à virada do Milênio, como um autêntico mal de “fim-de-século”. Entretanto, a conclusão, resumida nesses termos, não me parece que iluminará o melhor entendimento da escrita do poeta, tampouco trará a lume o detalhe que revela sua peculiaridade.

Sim, porque é disso praticamente que se alimenta a boa poesia feita em nosso tempo: ser capaz de um detalhe peculiar, que lhe seja inteiramente próprio, por mínimo que seja, dada a enxurrada de autores existentes, em sôfrega experimentação diária de todas as formas, palavras e recursos.

Um desses traços incomuns diz respeito justamente ao desassombro com que o poeta expõe todo fazer como um “não-fazer”. Não se trata apenas, como se tornou habitual constatar ou falar, da relativa inutilidade do fazer poético, ou da aparente “falta de sentido” da existência. A negação em Fabio atinge um limite extremo, posto que sequer reconhece realidade, concretude, em todo pretenso fazer da atividade humana. Trata-se de uma operação de caráter tão radical que, mais do que conduzir a uma amargura drummondiana ou a uma angústia à Fernando Pessoa, termina, paradoxalmente, por atingir um caráter libertário e transcendente.

Nada de choro ou ranger de dentes. Tampouco sucede como em alguns personagens de Samuel Becket, cuja consciência da inutilidade de qualquer esforço conduz praticamente a um imobilismo que se resume à espera de um “salvador” Godot. Ao contrário, em Fabio Rocha é quase com serenidade, com intimidade, com absoluta leveza, com humor e até mesmo com declarado orgulho, que o poeta conduzirá o leitor à constatação do fato. Chega a recordar a atitude dos orientais quando nos revelam com voz mansa que “o mundo é ilusão”.

E aqui se revela por fim o último traço especial na escrita de Fabio Rocha. Traço que, sem dúvida, começa já a situá-lo, aos 25 anos, como um poeta do Terceiro Milênio. Se a sobrevivência ao total desencanto de tudo conduz à liberdade, o que fazer dessa liberdade, se todo fazer encontra-se de antemão condenado a ser um “não-fazer”?

A única resposta que parece possível diante de tão desconcertante quadro é partir para uma atitude inaugural calcada em nova ordem de valor. Não basta constatar, como Álvaro de Campos, que se tem em si “todos os sonhos do mundo”. Não basta, se continuamos a achar que a realidade possui valor maior do que o sonho. E que por possuir maior valor, sugerido pela aparência de solidez, a ela cabe o direito de manter contidos e quietos no abissal fundo do eu os sonhos que se tenha.

Se todo fazer configura na verdade um “não-fazer”, então a realidade é “nada”. Nesse caso, o sonho, o desejo, que se situa numa dimensão que transcende essa realidade lhe é superior. A realidade dirá que o sonho é impossível. Todavia, que legitimidade, que autoridade terá a realidade para falar, se, em última análise, ela é feita de “nada”? Talvez por isso, Borges, afinado com o budismo, entendesse que a poesia não se devia submeter à realidade, mas sim, exercitar-se na expressão do sonho, do desejo.

Considerando-se por esse prisma, a expressão “Na Medida do Impossível” despe-se de sua aparente ironia e negatividade para adquirir o sentido maior de um desafio a ser vencido. De certo modo, toda a expressão passa metalingüisticamente a referir ao próprio fazer poético. A poesia que tiver capacidade, força e originalidade para expressar os internos “sonhos do mundo” realizará em si a impossível medida. Ora, tudo isso possui um singular e fascinante sabor inaugural e transcendente, um explícito e ousado convite à ação. Um tom, portanto, muito diferente do ceticismo amargo ou do nihilismo paralisante, presentes em grande parte da poesia do Século e do Milênio passados.

Por fim, não me parece demais salientar que “medida do impossível” remete sonoramente a “menino impossível”. Diz-se de um menino “impossível” quando seu comportamento recusa a forma, rejeita o molde. Se pensarmos assim, reconheceremos que todo bom poeta possui algo de “menino impossível”, que “faz arte”. Jesus também foi Menino, sem dúvida animado por uma missão que sugere o impossível: fazer com que cada um ame ao Outro como a si mesmo. O possível é o existente, o conhecido, o assimilável. Todavia, como diria o grande psicólogo Wilhelm Reich, em “O Assassinato de Cristo”, toda criança que nasce contém em si a potencialidade para a plena realização, desde que a sociedade “não assassine o Cristo latente que existe em cada criança”. Somente a criança ou aquele que puder tornar-se uma, poderá pretender inaugurar e realizar o impossível. Igualmente apenas dessa forma, conforme vaticina Jesus, habilitamo-nos a ascender ao Reino. Ou, como percebeu Fabio Rocha, exclusivamente com atitudes e versos “Na Medida do Impossível” estaremos aptos a ”arrombar as portas do Paraíso”.

Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2001.

Ricardo Alfaya, poeta, contista, cronista, ensaísta, editor e jornalista carioca.















Para Marise de Sousa, minha borboleta azul preferida.





















ESDRÚXULO

Arde o fogo
e mertiolate
sem cachorro.

7/3/2001



PARTES

(Para Andréa)

Te acho
em partes
em outras.

Nunca são inteiras.

Nos olhos outros,
partes.

Nas falas outras,
partes.

Partes eternamente...

Uma alvorada
que finge brilhar
e escurece.

7/3/2001


TELEFONE

Ocupado?
O cupido,
o culpado.

7/3/2001


OS PÁSSAROS?

O sol renascia.
Bocejadamente abri a porta.
O horizonte se escondia atrás das árvores.

Entro no estábulo de folha
e alimento minha criação.
Do balde ao chão:
consoantes, dígrafos, cedilhas...

Comem caladas.
Levo duas ao colo e as embalo,
dou tapas nas costas, faço de tudo
mas não rimam.

Foi quando estranhei um estranho estranho ali parado.
Sem métrica para prendê-las,
todas voaram, cheias de sons pensados,
para seus olhos.

12/3/2001


NA FARMÁCIA

Para as mulheres
com beijos de fuga,
infinidade de nós pelas costas,
plenitude de nove-horas
e olhar de adeus,

o melhor remédio
é indolor, trissílabo e não tem reações adversas:
distância.

14/3/2001


PARA ÁLVARO DE CAMPOS

Ah, este ser aí sentado,
mão no queixo, olhos perdidos,
cercado de excesso por todos os lados,
não sou eu.

Eu sou o que há escondido
sob as camadas de pele, gordura, músculos, ossos e raiva.

Meu anseio é brutal,
quer comer o incomensurável...
e quer estar sozinho, como tu, poeta!
Soltem nossos braços!

Este anseio leva meu eu a pisar forte a realidade e suas teorias malditas,
cerrar os punhos, trincar os dentes e pular,
com a força de seus versos vivos,
como nunca se pulou antes.

Seguindo o conselho dos ventos,
na ascensão impossível,
babo chuva no grito absurdo contra as leis da gravidade.
E me agrada não encontrar
o teto do céu.


Caio como uma bomba
de nada.


Esse aí parado...

não...

não sou eu.

15/3/2001


PARA O MATO OU PARA A BAHIA

Aperto o passo
e o tempo encurta.
Quero partir.

Mas não parto.
Ah, realidade maldita!
Trinco os dentes
e nunca parto.

Adio a data,
invento desculpas...

E permaneço,
com a dor do parto
por não partir.

30/3/2001


TANGO MIO

Perdi o passo.
Sem equilíbrio,
pisei no pé do caos.

Meu ócio antigo
Se embriagava no bar,
cercado de inimigos.

O sonho não realizado
fumava-se, cabisbaixo,
num degrau abaixo.

Adivinhei minha esperança inteira
lá fora, no beco de Bandeira,
mendigando.

Ah, se em minha alma
Tocasse funk...

31/3/2001


REVELAÇÃO

Eu me esqueci no armário.

Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!

Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.

Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado.

1o./4/2001


ESMOLA

Senhor, não quero o seu Real.
Basta uma Ideologia.

O Socialismo se engasgou na fila do Mc Donald’s.
O consumismo martelador quebrou o muro inquebrável.

O que eu faço?

Administração de Empresas
e jogo Street Fighter.
(com Ryu e Wolverine ninguém me ganha)

Tenho 25 anos,
não vejo cor fora de uma tela,
não escuto estrelas que não gritem,
não me encaixo em nenhum quebra-cabeças
e meu pai diz
que não sei mastigar com calma.

9/4/2001


CEGOS, SURDOS E LOUCOS

Meu professor de canto
era surdo-mudo.
Com ele aprendi
a olhar os cantos dos cômodos.

E foi num desses becos de Bandeira
que um cego me ensinou
a errar os caminhos.

9/4/2001


GÊMEOS

(Para Marise e Pessoa)

Meu eu literário quer vencer o mundo,
meu eu real não quer sair do quarto.
Meu eu literário consegue ser profundo,
meu eu real, só pra falar já é um parto.

Meu eu literário conquista,
meu eu real perde.
Meu eu literário é comunista,
meu eu real no Mc Donald’s se diverte.

Meu eu literário existe,
meu eu real finge.
Meu eus se encontram, tristes
no cinza do egoísmo que os tinge.

15/4/2001


REAL IDADE

Sou alienado consciente.
Trabalho em greve interior.
Me falam de dor de dente,
ouço poemas de amor.

20/4/2001


POETRIX ELETRÔNICO

No momento não posso escrever.
Deixe o seu olhar
após o final.

20/4/2001


GÊNIO

Não tenho tudo que amo
Mas não amo tudo que tenho.

Corro atrás de minha sombra
com todo o meu empenho.

30/4/2001


CONSTATAÇÃO POÉTICA

Entender o sentir
é como dançar azul,
cantar a lira,
jurar o medo,
beber a pira,
sorrir azedo.

30/4/2001


RAÍZES

E me sentei ao sol
sob a velha marquise.
Escrevi sobre tudo,
só pensei em Marise.

30/4/2001


ENTRE

(Para Marise)

Entre mim e mim
há vastidões de silêncio.

Vontades empoeiradas
seguem placas desorientadas.

Sonhos novos e antigos
brigam
invisíveis
inimigos.

Entre mim e você
há legiões de querer.

1o./5/2001


VIDA BESTA

(Para Drummond)

Hoje eu quero
me desfazer em versos
pois espero
o dia lesma passar.

Almoço
purê de batata
mastigando devagar.

A tarde sem sal
no trabalho sem sol
arde demoradamente.

Chego em casa
com preguiça de existir
e caso com a cama
num abraço vagaroso.

3/5/2001


POESIA HOJE EM DIA

No nada cinza
caço borboletas mortas
com a rede furada
para expô-las no dia que não chega
onde ninguém vê.

3/5/2001


IF

Se fazer poemas
fosse falar difícil
quereria eu ser
o síndico deste edifício
ou o porta-voz da presidência.

3/5/2001


POEMA MEGALÓPOLE

(Para Casimiro de Abreu)

Não cheiro flores, cheiro gás...
não vejo mares, vejo gris...
não rimo amores, rimo ais...
não ouço estrelas, ouço imbecis...

Mas insisto em escrever poemas.

3/5/2001


ALEGRIA

(Para Drummond)

E eu aqui nesta cidade,
cercado de realidade,
aumentando a minha idade,
alérgico a felicidade,
procuro flores no asfalto.

8/5/2001


DESPROFISSÃO

Escrevo poemas.

Não sou mais rico,
não sou mais feliz,
não sou mais nada.

Mas sou.

9/5/2001


ESTRANHO

É estranho
mas, certas vezes,
quando cerro a mão direita
com a raiva habitual,
não vejo nela
o dançar do fogo dourado
e chego a pensar
que não sou um anjo de Deus.

15/5/2001


ALTO

A poesia é um GRITO
contra todos
os meus silêncios.

17/5/2001


A CASA DO CAMINHO

Caminho.
Esterco.
Sempre me perco.
Não quero chegar.

Pelos campos imaginários
Levo palavras e saudades
Em minha inutilidade.

Respiro palavras
e ouço as larvas
nos casulos.

Elas,
sem janelas,
respiram também.

Ah, quanto céu...
O barro no pé
é de Manoel.

Sorrio
ao molhar as mãos no rio
escrito.

(Por vezes
me acho
em riachos)

Meu objetivo de vida
é ser casa demolida
com pombos
nos escombros.

24/5/2001


GRAVIDADE

A pedra
que levo
no nome
me some
o peso.

24/5/2001


UMBIGO

(Para Marise)

Palavras perdidas
em sua barriga
o ponto final.

24/5/2001


EDUCA-CÃO

(Para Paulo Emílio)

Vamos, filho...
Acorde antes do sol,
ponha seu uniforme branco,
pegue o trem dos anônimos
e vá aprender a não criticar.

25/5/2001


DIÁRIO

(Para Fábio e Eduardo Neto)

Parei de escrever
diários.

Agora
minha poesia quase diária
já fala sobre tudo
que não faço.

E não tenho
que pôr pingos nos is.

26/5/2001


TROTE

Pato, pata,
Porco, porca,
Pingo d’água,
mosca morta,
cerca branca,
velha torta,
branca vaca,
negra bosta,
tudo passa,
tudo passa,
tudo passa,
tudo passa;
tudo passa.

Tudo passa...

Epa...

O poema empacou.

29/5/2001


DESLIGADO

Apague a TV.
Esse refletido na tela
é você?

5/6/2001


ECONOMIA

Beijo pouco
porque a paixão morre um pouco
a cada beijo.

6/6/2001


DIARIAMENTE

Radial oeste congestionada sentido Centro:
Camarão quente mastigado com vidro dentro.

9/6/2001


BRASIL

A sociedade bisonha:
lixões, Piauís, Vales do Jequitinhonha...

Uma criança
por hora
por fome
vira anjo
chora homem.

Empresa
de morte
repete
a linha
de produção
pra terra:

Uma criança
por hora
por fome
vira anjo
chora homem.

E nós aqui
escrevendo palavras
enquanto se come
farinha com água.

18/6/2001


NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL

(A Beethoven)

Queria arrombar com versos pesados
as portas do Paraíso.

Escritos com o sangue dos expulsos
e a revolta das gerações infindas.

Queria voltar ao que nos pertence
com um poema
na medida
do impossível.

24/6/2001





(Fabio Rocha)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2001

e-book Tudo Pelos Ares (2001)

Melhor visualizado aqui:
http://pt.scribd.com/doc/94114817/tudopelosares-fabio-rocha







Tudo pelos ares





Fabio Rocha








Copyright © 2001 por Fabio Rocha

Registro EDA – Biblioteca Nacional:
Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: TUDO PELOS ARES
No. Registro da Obra: 210400
Livro: 366
Folha: 60
Data de Registro: 11/9/2000
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: FÉRIAS
No. Registro da Obra: 224134
Livro: 393
Folha: 294
Data de Registro: 23/2/2001
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Tudo Pelos Ares

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br



Índice

1. Capa
2. Dados
3. Índice
4. Índice (continuação)
5. Índice (continuação)
6. Pré-Fácil – Fred Matos
7. Pré-Fácil – Fred Matos (continuação)
8. Prosa de Abertura – Ricardo Alfaya
9. Prosa de Abertura – Ricardo Alfaya (continuação)
10. Dedicatória
11. Citação – Fernando Pessoa

12. I – Tudo Pelos Ares

13. NÃO PISE NA GRAMA
14. CREPÚSCULO
15. RESPIRÁVEL
16. ARCO-ÍRIS
17. VIAGENS
18. GREVE
19. ÁGUA-VIVA
20. QUADRO
21. GREYS
22. BELO-BELO?
23. CALCULUS
24. ORDEM
25. A CIGARRA ATÔMICA
26. SÃO JOÃO
27. DOENÇA
28. HIENAS
29. TAMANHO
30. FORD
31. A PRAÇA
32. SAIA SAIA
33. CONDICIONADO
34. DESEJO
35. LOIRA ECOLÓGICA
36. O GATO
37. A VIOLÊNCIA DAS VELAS
38. O TREM
39. PEQUENA SONATA AO LUAR
40. DE MAIO DE 1968 AO NEOLIBERALISMO
41. DA TENTATIVA

42. CULPA
43. DISTANTE
44. CÚMULO-NIMBO
45. ENIGMA
46. COMO?
47. DOURADAS
48. O SER POETA:
49. FOGOS
50. QUE HORAS SÃO
51. LÍNGUA
52. CINZA
53. DESAMOR
54. MODERNIDADE
55. LINHA AMARELA
56. CRIAÇÃO
57. X
58. ASAS
59. TERRA BRASILIS
60. VI UM SATÉLITE
61. FIM DE MILÊNIO
62. INDECISÃO
63. QUE ANDRA DOR FEZ ANDRADE?
64. A MORTE DA PERNA-DE-PAU
65. O NADA
66. TUDO PELOS ARES
67. ESTRELA DISTANTE
68. HERANÇA
69. UTILIDADE
70. A CECÍLIA MEIRELES
71. ISSEDÔNIA
72. CHEGADA
73. EQUILÍBRIO DISTANTE
74. FOTO DELA
75. ENGENHARIA ELÉTRICA UFRJ
76. VOCAÇÃO

77. II – Férias

78. E ATENÇÃO:
79. E ATENÇÃO: (continuação)
80. JANEIRO
81. PARA MANOEL DE BARROS
82. VIAGEM
83. CANTO NA PRAIA
84. PERENE

85. A FOTO
86. MONTES
87. PICOLÉ DE MANGA
88. POSSIBILIDADES
89. BÚZIOS OU NADA
90. QUADRO SUPERIOR ESQUERDO
91. O TORTO
92. LONGE
93. O FANTASMA
94. SÍNDROME DA CHEGADA
95. PELA ESTRADA AFORA
96. VENTO FORTE
97. SEVEN
98. KAFKA
99. NOITE NA RUA DAS PEDRAS
100. FÉRIAS
101. ALVO
102. FAMÍLIA
103. PLACA
104. SOPRO
105. ORGANIZAÇÃO CEREBRAL
106. DAS NEGATIVAS
107. INÍCIO DE UM ROMANCE POLICIAL
108. 3 A. M.
109. DESTINO
110. DELÍRIO
111. SAÍDA DE BÚZIOS
112. CORTE
113. Biografia
114. Biografia (continuação)

PREFÁCIL



Todos sabem que o nosso país não tem especial apreço pela leitura de literatura, sobretudo pela poesia. A arte brasileira por excelência é a música popular. Comprova essa assertiva o fato de que o Brasil é um entre os poucos países cujo consumo da produção nativa rivaliza ou supera a da música norte-americana, que se alastra, mundo afora, por força das grandes indústrias multinacionais que monopolizam a produção e o comércio das artes audiovisuais. Uma das características que contribuem para a vitalidade da música popular brasileira, excetuando-se os gêneros de sucessos fugazes, é a poesia. Isso posto, não temo estar errado quando afirmo que, por paradoxal que possa parecer, o brasileiro gosta de poesia, mas sofre da falta do hábito da leitura.
Contudo é alvissareiro observar que o advento da internet, e a sua massificação, tem resultado na aparecimento de centenas, quiçá milhares de novos poetas, alguns já maduros, outros em processo de aprendizagem, mas a maior parte, felizmente, formada por poetas comprometidos com uma nova atitude, que é a de não filiação às idiossincrasias que caracterizaram as escolas teóricas onde os discursos e manifestos fundavam-se preponderantemente na negação da corrente que pretendiam suplantar, como se a arte fosse uma guerra santa onde um ícone havia que ser derrubado para abrir espaço a outro.
É essa a novidade na nova poesia: há espaço para todos e para a diversidade de formatação poética. O belo já não tem vergonha de ser belo, o sentimento já não se emascula pelo temor do ridículo. As palavras libertam-se das amarras subjetivas que se lhes intentaram submeter com o falso dilema da hierarquização; uma tolice que parecia comparar o idioma a uma sociedade de classes onde designou-se para os adjetivos o papel de párias.
É este bom convívio entre todas as formas e todos os ritmos, este criar o novo, cultivando e cultuando o estabelecido e o eterno, uma outra das características que impulsionam a música brasileira e que agora há de servir à poesia escrita e ou inscrita em qualquer suporte onde a imaginação do poeta se lhe permita expressar.
Entre esses poetas que agora se revelam está o Fabio Rocha, que nos oferece à leitura este "TUDO PELOS ARES", livro onde se deve buscar a poesia que surge das suas inquietações, da sua acurada observação do tempo e espaço que habita e não o rigor frígido de poemas laboriosamente lapidados em laboratórios de dissecação filológica. Neste livro, mais que o corpo, é alma, a sua alma, que o poeta nos oferece. Deleitem-se.


Fred Matos, poeta


PROSA DE ABERTURA


Considero este um dos melhores livros de autores de nosso tempo que me chegaram às mãos.
O motivo? Difícil dizer de imediato, mas o que me impressionou foi a sintonia de sua poesia, na medida exata, com a época em que vivemos.
Não se trata apenas de ter escapado das armadilhas de tentar reproduzir esquemas recentes já esgotados de fazer poético, mas de ter sido capaz de escapar disso sem escorregar para fórmulas ainda mais antigas e passadistas.
Ler a poesia desse livro é tomar um banho de atualidade. Não no sentido meramente histórico ou jornalístico que a frase possa sugerir, mas também, no sentido estético.
Por outro lado, poucos livros terão recebido um título tão feliz e tão apropriado ao conteúdo que encerra. "Tudo pelos ares". Mistura de irreverência, crítica e lirismo. Título que sugere vôo, imponderabilidade e frescor. Também, explosão e fragmento. A pós-modernidade, com seu acúmulo total de tudo, explode de repente em seu livro e dos fragmentos que voam pelos ares você realiza notável colagem. Colagem ou reciclagem? Sim, há mais que mera colagem, como já se fez em outras obras. Há um discurso implícito nas entrelinhas que realiza a tessitura desses fragmentos, do qual emerge um novo sentido.
E aqui entra um fator interessante. Em vários momentos, Fabio Rocha mostra, com muita felicidade na escolha das imagens, o paradoxo em que estamos imersos. Somos destruidores do Planeta, mesmo quando pretendemos fazer "o bem". Pior, e você trata disso com eficácia num poema, somos destruidores até mesmo quando não estamos fazendo nada, quando simplesmente estamos dentro de casa, sentados no conforto de nossa poltrona. Existir é destruir.
Então, a sua poesia de certo modo realiza o sonho da reciclagem. Nada se perde, tudo se transforma, como em Leibnitz. Porque o título de seu livro, além dos aspectos já relatados, retrata também um medo que subjaz a nosso tempo. Sim, nunca estivemos tão perto de ir pelos ares. Mais que isso. Se pensarmos como Gibran Kalil Gibran, que dizia ser o medo da fome a própria fome, então, já fomos pelos ares. Todos nós somos, de certo modo, Memórias Póstumas de Brás Cubas. E você está lá no meio das nuvens da explosão, colhendo os fragmentos e reinventando-os. Com o espírito da reinvenção *possível*.
Talvez daí a irreverência sempre permeada por um toque de leveza. Não há na sua dicção o soturno canto nihilista, o peso do pesar, o hermetismo simbolista, a exaltação dramática. Também não há, e isso me parece importante frisar, aquele tom um tanto cínico que tem marcado a produção contemporânea mais recente. Em resumo: nem exaltação, nem frieza. Um olhar diferente, especial. E isso, acredite, não é pouco e, igualmente, é muito raro.

Ricardo Alfaya, poeta, contista, cronista, ensaísta, editor e jornalista carioca.

Para o vento.

“Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.”

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
O GUARDADOR DE REBANHOS
















I - Tudo Pelos Ares



NÃO PISE NA GRAMA



Placa inútil e amarela:
“Não pise na grama.”

Amarela
pela ausência de girassóis.

Inútil
porque não tenho os pés no chão.





CREPÚSCULO



Que belas nuvens arredias
nesse crepúsculo dourado.
Longe, a Ave-Maria
vence infinitos telhados.

Pardais nos fios, nos prédios, nas casas...
parecem encantados.
Ah, o que se passa
sob esses tetos gelados?

No céu, agora há um balão.
Em breve, algo incendiado.
Barulhento e alto avião
me chama ao chão, atordoado.

RESPIRÁVEL



Quero tudo pelos ares.

Sem bombas,
o fim das certezas de terra,
das durezas de pedra,
das friezas de água,
das ardências de fogo...

Quero silêncio respirável.



ARCO-ÍRIS



Que o Senhor nos prometa
não mandar um cometa
bem no nosso planeta.

Sim, somos uns macacos...
com poucos pelos e muitos medos.
Mas os mesmos dedos
que apertam gatilhos, fazem partos.

Guarde os seus astros.
Se demonstrarmos total incompetência,
nossa criação atômica
não permitirá sobrevivência.




VIAGENS



Pela janela,
as luzes coloridas dos ônibus, dos caminhões
mostram sonhos apagados.

As casas simplórias, as encostas
lembram dolorosamente
onde não estive – que saudade.

O fio (onda negra)
desce, para, sobe,
bate no poste,
desce, para, sobe,
bate no poste.

Nós, fios de Deus,
temos que teimar em subir pelos ares
temos que teimar em vencer os postes.

GREVE



Tempo cinza que nos embaça.
Sabiá gelado.

Tudo perdeu aquela graça.
Vento recortado.

O céu é fumaça?
Sonho velho abandonado.

Isso um dia passa?
Ah, inalcançável passado...

(Eu sabia amar.)




ÁGUA VIVA



Eu quero o poema cnidoblasto,
cheio de chatos nematocistos.

Que arde como os antigos emplastos,
estranho como os ornitorrincos.

Que ignore aqueles verdes pastos
e embriague como vinho tinto.

Quero o verso chato enigmático
que cante tudo e nada que sinto.

Que se danem o pássaro simpático
e as flores em formato de brinco.



QUADRO



A melhor poesia
é como a paisagem
de costas.




GREYS

Para Carlos Drummond de Andrade

O vidro sujo do carro
faz ainda mais cinza
aquilo a que chamam Méier...

Nem o azul do céu
escapa da cor maligna
que em tudo se entranha...
(Poluído e funesto tom!)
Como num filme de Chaplin.

Me pego abismado,
ao ver ali as pessoas...
Sem ser filme, novela ou seriado...

Como serão suas vidas,
seres cinzas transeuntes?

Não tenho veneno,
tomo Coca-Cola...



BELO BELO?


Para Manuel Bandeira


O belo - a bunda.
Abunda o belo
padrão.

Sem carne, sem pão:
silicone na massa.
Famintos felizes morrerão.

Compre, beba, ouça, seja
bunda.

Hoje, a beleza
é ainda mais triste.


CALCULUS



Engenharia
leva qualquer 1
ao limite.

Integro
a massa que bóia.

Em ondas
de fórmulas
decoradas.

No mar
de inutilidades,
derivo à deriva,
sem objetivos nem assíntotas no horizonte.

Se achasse uma ilha
com um X,
no lugar do tesouro
haveria um Y.


ORDEM



O velho Erasmo Dias
não se arrepende.

Era um homem público
que só defendeu
a ordem
que só cumpria
ordens.

(aquela da bandeira?)

Nossa vitória
é ouvi-lo falar
o que quiser.
(mesmo essas imbecilidades)



A CIGARRA ATÔMICA


Para Drummond


A cigarra atômica
não se contentava em cantar
sem ninguém ouvir.

As pessoas passando,
walkmans,
admirando outdoors
engluteados

fizeram-na descer
da árvore.

Hoje canta na internet,
aparece na TV,
nos jornais
e é ouvida.

Cientistas afirmam:
É por causa de uma contaminação por Césio 137 que ela não morre.



SÃO JOÃO



Se Toledo
tivesse tolerado
ter lido
as instruções,
o estalido
não teria matado.







DOENÇA

Para Manoel de Barros

Só lendo Manoel de Barros
é que descobri o que tinha
minha professora loira do primário,
que vivia de olho arregalado
desolhando o distante:

Ela tinha lonjuras.







HIENAS


Para o Excelentíssimo Professor de Economia Paulo Márcio


Os pobres nem sabem
o que podem ganhar.

A classe média só pensa
no que pode perder.

Revolução? Não.
Melhor ver Malhação
e sonhar com o Jogo do Milhão.

Eu aqui sem aula e mudo
e meu Centro Acadêmico
vendendo X-Tudo.

Todos só dizem, entre empadas:
não se pode fazer nada.

Mas vamos sorrir, tenta...
Quem sabe o salário aumenta.



TAMANHO



Pobre navio
preso na garrafa.

Que importa o tamanho?
Lugar de navio é no oceano.


FORD



Se o Fordismo
inspirou Chaplin,
há esperança
para a humanidade.

Pela mesma lógica torta,
há Tchan e Djavan,
mosquito e periquito,
cigarros e Manoel de Barros.

A PRAÇA



A praça daqui
tem flores que caem
amarelas.

Melhor que todas
em que vivi.

Não há
mais bela.

A praça sorri
pros pombos de cartolas,
pros velhos ricos pedindo esmolas
e pra quem quer que prace.

– A praça que não vi.


SAIA SAIA



Ah, a sensualidade
dessa sinuosidade
em deslizante cetim...

beija os sentidos,
cintilando, seduzindo,
vibrando em mim.

Visão na mão de pelo loiro...
Aspiro o áspero suave
sucumbindo no sonho sem fim.



CONDICIONADO



Sim, eu poderia
ficar aqui sentado
sobre minhas vitórias,
derrotado.

Mas há alegria
fora do passado.
Quero o ar de glórias
do não conquistado.

O vento do incerto
é melhor que o conforto regulado
do ar condicionado.



DESEJO



Almejo
a Lisa.

Alcanço
a brisa.

Aliso
os alíseos.



LOIRA ECOLÓGICA



Seu eu parecer
não te ouvir
queira não se irritar
por favor.

É que fico meio arbóreo
com o verde dos teus olhos.


O GATO



De quando em vez
esse ser equilibrado
de aparente ausência assimilada,

esse eu sério, de óculos, barba,
poucas palavras e sorrisos,
desce da altura medida.

A vista míope enturva, escurece.
Dentes trincados não fazem preces.
A lentidão de pernas e braços
destransforma-se em negro gato.

Gato ágil que arranha de angústia rouca
tão profundo, tantas vezes, tanta gente...
vai embora num relampejar de luz pouca
e sou eu quem se arrepende.



A VIOLÊNCIA DAS VELAS



Vamos acender as velas
e rezar pedindo que a bala perdida
não atravesse nossas grades, muros e janelas.

Sigamos, multidão apática,
com sonhos mediados pela mídia.
Iluminemos essa cultura Iluminista
com fogo em nossas vidas egoístas.

20/7/2000



O TREM



O trem
vai rápido.

O trem
não segue trilhos
em seus caminhos aéreos.

O trem
não tem maquinista,
mas todos somos passageiros.

O trem
nunca chega, nunca pára.
(nem nas quatro estações)

Feliz de quem
aproveita a viagem.



PEQUENA SONATA AO LUAR



Noite.
Deus, sono lento.

Aplausos.
Mãos das trevas?
Não.
Gotas pingando nas frias folhas.

Edredom.
Sem som.
Sem sonho.
Se alimenta.
Lentamente.
De mim.



DE MAIO DE 1968 AO NEOLIBERALISMO



Os jovens contra o sistema
envelhecem.

Seus filhos, sem tempo,
emburrecem.

As grafites de Paris
em pichações desfalecem.

O sistema, o mesmo sistema
se disfarça, vence e cresce.

Descanse em paz, Guevara,
perdoe as preces.

Nós, os verdadeiros mortos,
vamos trabalhar.



DA TENTATIVA



Quis fazer um poema triste.
Mas triste estou eu, não o poema triste.
(Celulose com rugas no carpete.)

Tentei fazer um verso frio.
Mas frio é esse tempo excomungado, não o verso frio.
(Alvidez alvidrada janela abaixo.)

Imaginei um soneto morto
e vi que a folha não respirava.

– Medusa, olha essa poesia!

Com pena idiossincrática,
deitei a pena esferográfica.

(Talvez se eu falasse de lagartixas...)



CULPA



Meus passeios
poluem o mundo.

Para ler,
gasto a luz de cidades inundadas.

A geladeira
esburaca a camada de ozônio.

Banhos longos
desertificam o planeta.

Para comer, beber, viver
gasto dinheiro (que nem ganhei).

Meus poemas
derrubam árvores.



DISTANTE


Para Andréa


Onde a linha amarela
cruza o entardecer
meus sonhos dormem
escondidos
em você.



CÚMULO-NIMBO



Seu dentro
é nublado.

Embaço
embaixo
de embaço.

Em seus olhos,
persianas e pestanas
persistem em fechar.

Mas um vento vem,
vagaroso...
Move leve o sonho.

Mostra as cores
sob o cinza, no seu íntimo,
por um ínfimo
instante.

Queira Deus que chova.



ENIGMA



O que há nas cervejas geladas?
Murmúrias
de sedes esfarrapadas.



COMO?



Me pedem poemas de amor
e, no lixão, o agricultor,
entre moscas e urubus,
alimenta sua família
com restos.

A vida toda plantou e colheu
pros outros.
Agora envelheceu
sem terra.

E ele sabe
como o governo come.

E ele sabe
que de fora comem nosso país.

Ele só não sabe
o que vai comer amanhã.



DOURADAS


Para Anna Gabriela


Nessas raias estreitas,
as douradas
por quem mais nadei
eram horizonte.

Bati o recorde
atlântico
das mil tentativas
(tiros n’água).

Fui tetracampeão
de salto ornamental
no escuro.


subi no pódio de mim mesmo,
sem hino, bandeira ou torcida.





O SER POETA:



Falar da luz
que não se vê.

Mostrar o bem
que não se têm.

Cantar o amor
sem nem querer.

Fazer feliz
e triste ser.





FOGOS



Os fogos de artifício
em Copacabana,

os fogos de míssil
no Oriente Médio

iluminam o passar dos anos.

Evolução?
Engano.





QUE HORAS SÃO



Meg Donas nosso
que estás no shopping,

amarela e brilhante
seja tua luz,

queira deus que haja vacas
entre teus pães,

venha a nós essa gordura
assim no Meg Bacon como no Big Meg,

não nos deixe
cair em dieta

e livra-nos
da batata murcha.




LÍNGUA



Pela porta da poesia
entrei pra dentro de um pleonasmo.

Vivo, vivia
na língua de tanta gente
que achei doentes
os dentes que diziam “tá errado”.




CINZA



O sonho que não realizei
me beija às cinco da manhã.
Só pra me lembrar
que dói sonhar.

A cidade do alto, cinza
sob o céu pesado, cinza.
Carros, ambulâncias, helicópteros, sirenes, trânsito, luzes girando,
[pedestres...
pensam que chegam a algum lugar.

Ninguém abre os olhos
pras flores abertas.
Aposto que assim são mais felizes.




DESAMOR



Enamorados nas românticas gôndolas,
os vejo gônadas.





MODERNIDADE



ritmo
acelerado
de
vida
curta
como
o
poema
burguer





LINHA AMARELA



Vejo
na grandeza das pedras à esquerda
Deus.

Rádio ligado:
nuvem de melancolia
em música lenta.

No túnel, silêncio.
No túnel, escuro.
Há de se acelerar
para o túnel passar.

Passado,
o chão molhado
fez, entre ex-carros, quatro corpos deitados.

Cai por terra o espiritualismo
e instantâneo medo
ascende no gris.

Mas passa logo.
Acelerando divago:
chegar é o que sempre quis.





CRIAÇÃO



A palavra viva
levantou-se da folha morta.

De altura ambígua,
inspirou sua alma.
Se tivesse olhos, os abriria.

Ouviu-se: – Viva!
E então não se sabia
se era ordem, celebração
ou se alguém a lia.





X



Sem mutação,
mutante:
metamorfose
ambulante.

De médico e Logan
todo poeta
tem um tempo.

Infeliz do estagnado,
cromossomo degenerado.

Ri no rio a momentânea sinuosidade de cobra antes do bote.





ASAS



Não procuro a liberdade que passará,
mas a do pássaro ligeiro.
Nem espero a que virá:
o futuro é traiçoeiro.

Sinto as asas invisíveis agora.
Vôo alto, contente.
Se não fosse o vento de outrora
me contentaria com o chão quente.
Não deixarei de ascender na aurora
Pelas aves abaixo, maldizentes.

Pouco importa alcançar.
Quero é ser livre para sonhar
sonhos em qualquer altitude.




TERRA BRASILIS



Desta terra
regada com suor,

coberta de pedras
nos caminhos,

cansada de guerras
(invisíveis?),

cercada pelos grandes
(invencíveis?),

nascem os dons
que perfumam o mundo.



VI UM SATÉLITE



Hoje foi quente.
Jantei galinha
e dispensei a TV.

Deitei sob as estrelas,
ouvi o vento balançando as plantas
e o casal de vizinhos brigando.

Fui feliz assim,
com muitos verbos,
poucas conjunções
e nenhuma metáfora.



FIM DE MILÊNIO



Caminhava na floresta molhada
e pisei no gnomo, caí na fada.

Desesperado,
tentei falar com meu anjo da guarda.
Linha ocupada!

Minha lua em aquário
sempre me fez de otário.



INDECISÃO



Sou
a porta entreaberta.
(lua estilizada)

Nem aberta
nem fechada.

Se a mais leve brisa
me define,
é temporário:

Minha chave
não existe.



QUE ANDRA DOR FEZ ANDRADE?



A dor dos dardos da idade
rolou os dados, vergou Andrade.
Resultado: andar.

Andar até o fim do dia,
pois vem a tarde.

Vem a tarde, Andrade,
com sua antropofagia.

Ande como subindo os Andes,
como fugindo do antes,
antes que te coma o fim.

(Andando por minha rua, Andrade se ergueu do derrame.)





A MORTE DA PERNA-DE-PAU



Sinara me ensinara
a sina de Nara,
em cima de varas,
acima de caras.

Felicidade o dia inteiro,
simplicidade no passo ligeiro,
velocidade em fazer dinheiro,
longevidade até o bueiro.




O NADA


Para Manuel Bandeira


Aprendo a fingir aprender
com professores atrasados fingindo ensinar.
Anoto todas as regras
menos a filosofia das janelas.

Requeiro petições e memorandos
demorando em diretorias
vazias de humanos,
cheias de burocracia.

Todas as pessoas perto, distantes.
Todas as pessoas distantes, perto.

Meu todo dia
só se salva pelo não fazer,
único prazer: poesia.






TUDO PELOS ARES



Somos anjos perdidos.
Asas mortas no chão
desde a primeira audição
da palavra impossível.





ESTRELA DISTANTE



Estou solstício
no espaço cósmico.

Não que minha vida seja
especial.

É que no ócio
construo veleiros espaciais
para ir, só.




HERANÇA


Para meu pai


Comecei a ler
pelos olhos de meu pai.

Os contos de fada
espantavam monstros no escuro.

Mas eu gostava tanto
que acabava o livro e eu não dormia.

Ele então partia,
deixando a luz acesa.

Cresci.
Aprendi a ler (e a ser) só.

Mas herdei até o problema
com as palavras:

As que faltam, nos seus silêncios de retrato
e as que sobram, espinhentas, e destroem palácios.

Construídos demoradamente, silenciosamente, arduamente
com atos de amor.

Levei duas dúzias de anos
para ver que as palavras com espinhos
não diziam o que nós realmente sentíamos.

Queria ter herdado
o dom de sentir prazer com as coisas simples,

como deixar a luz acesa
para aqueles que amo.





UTILIDADE



Me falam para produzir,
como se alguém produzisse...

Quem produz terra fértil
é a minhoca.

Quem limpa a água
é a terra fértil.

Quem joga oxigênio no ar?
Algas cianofíceas.

E nós, humanos,
o que produzimos
usando a terra,
acabando com a água,
sujando o ar
e adorando a moeda?

– Eu quero é produzir pedras.




A CECÍLIA MEIRELES



Cantos serenados
cruzam etéreos crepúsculos.

Nuvens douradas
pastam perfumes seculares
em seus altos caminhos.

Sonhos naufragados
atravessam espelhos, horizontes,
borbulham baixinho:

A poesia da rosa
é seu espinho.





ISSEDÔNIA



Antônia, eu vou pra Issedônia
sentir a brisa de Pasárgada,
vou ver as ondas do mar Jônio
sem descobrir como voltar.

Soube que lá tudo é belo,
não há favela nem castelo,
mas se não for o que espero
eu vou continuar por lá.

Dizem que lá tudo é na cama,
sem placas “Não pise na grama”,
mas se não for assim bacana
eu vou continuar por lá.

Ouvi que lá não há trabalho,
só sexo, siesta e baralho,
mas se for tudo ao contrário
eu vou continuar por lá.




CHEGADA



A chuva a luz a Lia acabou

Há quanto?
Voltarão?

Eu espero

No escuro de meu desespero
a esperança é chama oscilante

O portão, de ferro melancólico, chora sonoro
O jardim se arrasta ruidosamente em algo

Já posso vê-la
de volta

A escada triste derrama exata
água pelos degraus em cascata

A madeira da porta vibra com o ranger
Abre-se, olhos idem

Eu no carpete no silêncio no breu

Apenas vento







EQUILÍBRIO DISTANTE


Para Renato Russo


Na linha fina do horizonte
se equilibra meu equilíbrio distante.

Mas quem um dia chegou lá?
Por que quero (logo eu) chegar?

Faço poemas
com tais temas
dentro do shopping.

Que a perfeição afunde em sua lonjura
e eu ache felicidade em tanajuras.




FOTO DELA


Para Andréa


Via eu contente as fotos:
formatura de um amigo.
Até que chegou a dela,
de branco, rindo de mim.

Foi quando não vi mais nada.

Só senti um calor estranho,
e explodiu em meu silêncio
num velho vulcão distante
a vontade de a ter.








ENGENHARIA ELÉTRICA UFRJ


Para Walton e Vagner


Meus dois amigos
derrotaram números
com garra
de adamantium.

Surfaram em ondas eletromagnéticas
apenas para acabar, muitas vezes,
afogados em teorias.

Mas integraram volumes
em cinco dimensões
sem se entregarem...

Ralaram as mãos nas Físicas (e suas leis),
sujaram a alma nos motores (sem ouvir RPM),
eletrocutaram esperanças nos circuitos (algumas morreram),
perderam um pouco de fé nos fios (efeito Joule?),
sistematicamente comeram o pão que o Basílio amassou
[(maldito seja).

E agora a recompensa,
a vitória, a conquista, o papel derradeiro:
engenheiro.




VOCAÇÃO



Meu avô
queria ser aviador,
piloto mesmo.

Não conseguiu.
Algumas vezes foi visto em sua juventude
olhando o nada com a vista cansada.

No fundo, bem
que quero voar também.
Porém sem avião.

Minha aeronave anemofílica
é a palavra etílica.
E eu nem bebo...

Mas leio sonhos aéreos,
que os ventos ventaram
e ventarão.

E passo a vida
a dar passos
sem pegadas.

















II - Férias







E ATENÇÃO:



Devo comer este bife mal passado
tentando esquecer que vai me engordar,
o colesterol ruim,
a vaca louca,
os triglicerídeos,
a vaca louca,
que pode ter cisticercos,
a vaca louca,
o coliforme 157,
ou ainda,
a vaca louca.

Devo mastigar esta alface sem pensar nas planárias,
beber esta água sem sentir o vibrião colérico na garganta.

Devo ignorar este mosquito que me morde – com listrinhas na
[bunda,
possível portador da dengue tipo 3,
que pode ser mais grave para quem já teve a 2 ou a 1.

Devo inspirar sem sentir o gás carbônico,
piorando o efeito estufa.

Devo parar de suar, no ar condicionado,
sem a culpa de destruir a camada de ozônio.

Devo passar estes dias a esperar o telefone tocar
tentando me convencer de que estou bem,
que estou de férias
e que não estou esperando você ligar.


Apesar de estar em casa,
ajudando a destruir o mundo,
esperando o telefonema sagrado
e absorvendo informações demais.






JANEIRO



O dourado vence o vermelho
no dia nascente.
A revanche: o crepúsculo.

Verão.
Estação de sonhos e ócio.
Já cheira a saudade
antes de esquentar.

Provo as bênçãos
dos bons arcanjos
em trajes de banho
sobre a areia branca

e a irregularidade
dos horizontes
das cidades
do interior
da alma.






PARA MANOEL DE BARROS



Seu Nhonhô
morava no silêncio
e tinha cabelos de nuvens.

Era irmanado das águas paradas
e de quando em vez libélulas
punham ovos em sua cabeça.

Sua voz tinha falha de crostas
e vulcões invisíveis expeliam o nada por suas ventas.

Da última vez que o vi
estava árvore.

Quando foi cortado,
se cercou de cinza
e desandou a falar
sem dizer.






VIAGEM



A casa era uma estranha
na chegada.

Após o primeiro banho,
o primeiro silêncio
e o primeiro poema
nos tornamos cúmplices.

Aposto que em uma semana
serei um pouco casa.

E, na despedida,
meio que vou ficar
e meia casa vai viajar.

Ponta Negra – 1º/2/2001





CANTO NA PRAIA



Andorinhas
em bando,

namorados
na praça,

os amigos
falando,

os cachorros:
desgraça.

Tantas ondas,
tantos plurais
e a cigarra,
no singular,
canta.

(no plural morreria)

Ponta Negra – 1º/2/2001





PERENE


Para Camões


O mar:
constante fúria espumante.

Desfaz penhas
(teimosas e duras)
em areia molhada.

Piso tatuís,
gaivotas cortam o ar
e sinto na palavra escrita
a perenidade do mar.

Ponta Negra - 2/2/2001






A FOTO


Para Mariana


O mar fala.
O mar repete.
Tento sentir o que.

Talvez seja
para não pensar.

Uma menina pergunta:
– Senhor, que horas são?
Falo dois números e me pergunto
quando virei senhor.

Talvez por isso
esteja de relógio na praia
e não entenda a graça
das cambalhotas infantis na água.

De tanto
olhar sentir ouvir
enormes ondas,
entendo a grandiosidade do momento.

Uma família fotografa o crepúsculo.
O mar diz que não caberá na foto.

Ponta Negra - 2/2/2001









MONTES



Os urubus não estão baixos,
nós é que estamos altos.

Trepados na terra vermelha,
motorizados por entre matos,
procurando poesia nas alturas.

Mas alturas há aos montes...

E poesia não é paisagem.

É o bicho que entra pelo vidro do carro
e assusta,
é a vertigem na beira do despenhadeiro,
é a cobra imaginária dos caminhos,
é o não chegar.

Ponta Negra - 2/2/2001










PICOLÉ DE MANGA



É verão
Como picolé de manga

A praia arde
Como picolé de manga

A água dourada no entardecer
Como picolé de manga

(um pessimista dirá
que vou engordar)

Ponta Negra - 2/2/2001








POSSIBILIDADES



Ler é aumentar as chances
de que minha seta
acerte a palavra,
a certa.

Ponta Negra - 6/2/2001










BÚZIOS OU NADA



A rua que dá no ócio
é de pedras irregulares.

Na chegada posso
sentir o cheiro dos mares.

Mas fazer o nada
é difícil empreitada.

E as revoluções industriais,
a cada onda, cada vez mais
complicam sua produção.

Habituados a correr demais,
desaprendemos a andar na contramão.

(Pegar sol é pegar sol, não é nada.
Dormir é dormir, não é nada.
Nadar é nadar, não é nada.)

Para reaprender
preciso escrever.
(A família dorme: não temos TV.)

Búzios - 11/2/2001







QUADRO SUPERIOR ESQUERDO



.

Ah,
a vela,
a chama.

A vela-chama.

A vela chama ao mar
em belos tons de vermelho.

O homem é muito pequeno, é nada
perto da vela cheia de ar e esplendor.

Mas parece maior, pensando brilhar no leme.

Búzios - 11/2/2001






O TORTO



Há um peixe torto
pintado num prato
pendurado numa
parede bem reta.

Ainda bem.

Búzios - 11/2/2001






LONGE



Disseram que a praia era perto...
mas longe mesmo é a noite
que não cai sem uma TV ligada.

Búzios - 11/2/2001







O FANTASMA



Hoje o fantasma de Seu Nhonhô
passou por mim.
Mas ventava tão alto que não o vi.
Assim sendo, não pude lhe escrever meus silêncios
nem recordar tudo que não fiz.

Búzios - 11/2/2001







SÍNDROME DA CHEGADA



As casas de praia, montanha ou nada
são sempre decepção na chegada.

Se fôssemos para Pasárgada,
no primeiro dia me perguntaria:
– Por que não fiquei em casa?

Búzios - 11/2/2001










PELA ESTRADA AFORA



Olho pro papel
e lembro que deixei cair
versos não escritos
pela estrada toda.

Nunca mais vou achá-los.
Mas quem sabe
alguém que passe...

Agora,
aqui,
instalado,
confortável,
caneta destampada,
folha em branco...

E esses casais de namorados
namorando, namorando, namorando
nada me dizem.

Búzios - 11/2/2001










VENTO FORTE


Para Mario Quintana


O vento aqui não pára.

Nem um segundo,
nem um pouquinho.

Ah, se eu fosse moinho...

Búzios - 11/2/2001









SEVEN



Fiz sete poemas em meia hora
mas a TV continua sem pegar nada.

Agora
vou beber água.

Búzios - 11/2/2001









KAFKA



Todo caminho leva
à rua das pedras,
onde a beleza ganha.

Queria mais olhos e pernas
pra ver as belas e desviar das pedras.
Resumindo – virar aranha.

Búzios - 12/2/2001










NOITE NA RUA DAS PEDRAS



Maria farinha
de lado caminha
devagar, calminha.

O barco balança
devagar, não cansa.

E eu rimo mal.

Búzios - 12/2/2001









FÉRIAS



O céu tem mais estrelas
o silêncio, mais grilos
as horas, mais tempo
os amores impossíveis, mais brilho.

Búzios - 12/2/2001








ALVO



O sol a pele doura.
Mas só dura até a dureza
que é o cotidiano da vida fordista.

E tudo embranquece.

Búzios - 12/2/2001








FAMÍLIA

Para meus pais e minha irmã

Regularmente,
algum bicho
morde mamãe.

E ela irrompe pelos cômodos
como trotando um jegue de tamancos
dando rodopios de voz
e distribuindo culpas.

Meu pai canta ou assobia.

Minha irmã pergunta.

Depois de uns duodécimos temporais
tudo é calma.

As famílias são fascinantes.

Búzios - 13/2/2001








PLACA



Procura-se alguém
que ame com certeza.

Interessados
entrar em contato
para breve discussão filosófica
pelo telefone vermelho.

Búzios - 13/2/2001








SOPRO



Não sei o que me deu hoje
que não durmo e faço poemas.

Talvez a noite esteja insone
e me sopre versos pelo escuro.

Búzios - 13/2/2001






ORGANIZAÇÃO CEREBRAL


Para Walter Cabral de Moura


Decepção amorosa?
Por favor pegue este número,
entre na fila a sua direita
e aguarde ser chamada pelo alto-falante
para um poema.

Búzios - 13/2/2001










DAS NEGATIVAS



E novamente não durmo
por algo que não é
e talvez nunca seja.

(Decepção amorosa número 32, dirija-se ao balcão azul.)

Búzios - 13/2/2001








INÍCIO DE UM ROMANCE POLICIAL



Eram sete e meia.
A polícia tentava isolar o local.
Mostrei a carteira de poeta e passei.
O crepúsculo, morto, vertia sangue pelo céu.

Búzios - 13/2/2001









3 A.M.



Nem sinal de sono.

A pele coça (queimada),
ouço (no silêncio) a maldição do Tchan,
escrevo sem parar (quase três da manhã).

O universo conspira insônias lá fora.

Búzios - 13/2/2001










DESTINO



A cigana leu minha mão
e não viu que escrevia poemas.

Pediu vinte, dei dez.

Búzios - 13/2/2001









DELÍRIO


Para o hipopótamo de Brás Cubas


Há um ar de ave
na algibeira das costelas de porco
que como como se fossem
voar.

Búzios - 13/2/2001









SAÍDA DE BÚZIOS



Parou o vento.

O silêncio ensinava o orvalho
a pingar da relva...

Foi quando a TV funcionou e partimos.

Cheios de melanina
e lembranças argentinas.







CORTE



Tenho sorte.
Ao menos tento forte
(mesmo que não acerte)
fazer do ócio, arte.

O tempo curto – corte.

Sem vida – morte.




(Fabio Rocha)