quinta-feira, 29 de abril de 2010

PEDIDO FORMAL

Meu querido deus inexistente, por favor, um pouco de cor neste final de semana? As pessoas com quem fui feliz, os lugares onde fui feliz, não mais há. Eu sei agora é da impossibilidade de dormir em ônibus. Eu sei agora é do não poder fazer Yoga, do não poder caminhar ou ver o mar. Eu sei agora é de dormir mal, dormir com nariz entupido e dormir suando com ou sem ar condicionado, acordando às 4 da manhã para fazer um poema em prosa sem sentido. Prece? Eu sei agora é de nem lembrar qual foi o último filme que vi (e eu via mais de um por dia). Eu sei agora é que nada sei sem cor. É tarde e está cinza. E algo que me diz que ela está próxima. E algo que me diz que ela é a cor. Ela é a minha vontade de crer. Sentido. Precisa haver sentido... Aviso a quem interessar possa que em muito breve voltarei a ser econômico.

(Fabio Rocha)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

QUEBRA

de quando em vez
repetidamente
de tempos em tempos
sinto
a nódoa lenta
quase imperceptível
acumulando
depositando
ao redor de mim
sobre mim
pó de diamante
cristalizando prisões
e agradeço a meu avô
pela benção do rompante

(Fabio Rocha)

terça-feira, 27 de abril de 2010

A OUTRA FACE

ração humana em pastilha:
todas as revistas da banca
sobre novelas

de que me servem esses punhos
capazes de inverter o fluxo das águas
da mais alta cachoeira?

não mudaremos nada

padres e papas
contra camisinhas
gostam de criancinhas

e casamos por seu intermédio
como na maldita novela:
ração humana em pastilha

e trabalhar em algo inútil na semana
e dormir no fim de semana
e dormir no fim:
ração humana em pastilha

não mudaremos nada

teremos filhos
sob a égide
da mesma novela
da mesma religião:
nada
absolutamente nada
mudarão

(Fabio Rocha)

*

"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa
miséria." (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)

domingo, 25 de abril de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

FOTO RUIVA

finalmente
as peles
das mulheres
que tateio
não tem cheiro
de vingança

olho a foto ruiva

caminho longe da verdade e das rosas
defino antes de acontecer
o que sou o que são e o que seríamos
fazendo estátuas com palavras moles
na cabeça no papel na tela no amanhecer

persigo distâncias
com uma espada antiga
enferrujada
incapaz de cortar o céu

(nosso futuro)

(Fabio Rocha)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

PERCEPSISMO

é preciso restaurar minha fé no outro
e em mim
mesmo assim - casa sem meias-portas
que nunca deixei de fechar fora do lírico

acredito
que o que eu faço lesmo e importa
é pela palavra - janela torta
fogão de dentro
esquentando um mundo melhor
e mais bonito assim

(mas e as pessoas próximas
que tranquei - de uma hora pra outra
lá fora de mim?)

(Fabio Rocha)

terça-feira, 20 de abril de 2010

FLÚOR_ESSÊNCIA

sincronicidades
entre folhas que caem
e poentes que brilham

me pergunto minha (imatur)idade
quando ouço o estribilho
do peito que busca

(e recria encontrares)

(Fabio Rocha)

AR_TE CURA

(Para Natália Parreiras)

apresso poemas ruins e paixões difíceis

pois o atraso de respostas
pras perguntas que não tenho
(tudo tão maleficamente claro...)

pois as flores amarelas
serão sempre agora aqui
as esperas

pois se eu parar
para chorar
além da rima ruim
alagaremos

(Fabio Rocha)

sábado, 17 de abril de 2010

CMB: RETRATO

o som do silêncio
tocando as folhas
de árvores esparsas

cavalos e garças
me olham

trovões
são aviões a jato

urubus à beça
quero-quero em pasto
borboletas brancas
sobrevoam sempre
sobrevoam leve
ruas afundadas

(Fabio Rocha)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A PEDRA DE SÍSIFO ou ELEPHANT GUN

abrir o peito
tirar a pedra enorme e dura
rolar montanha acima
(não há missão mais leve...)
até a mão feminina
de unhas feitas
esmagá-la
com o sorriso enigma
o olhar oblíquo
e seguir casmurro

(Fabio Rocha)

MAN

um olhar mais longo
de uma mulher mais bonita
tem o efeito em mim de Medusa:
derreto, congelo, petrifico ao mesmo tempo
uivo como o lobo do Pica-Pau
me transformo em Spectreman com o poder dos Dominantes
faço a Terra girar ao contrário com meu vôo apesar de não poder interferir na História
e a pressão no peito de amor e pânico é tamanha
que olho pro chão

olho
pro
chão

(cabe dizer que me é irritante
quando depois descubro
que casadas são)

(Fabio Rocha)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

SILÊNCIO

Vou dormir.

Tenho 6 horas de sono
e o inconsciente me acorda
na terceira
com um grito gelado
na goela:
ela.
A resposta?

A mesma casa antiga
do cachorro todo ossos negros
ela fantasma no segundo andar
eu no primeiro.

Eu no corredor
deitado no chão como morto
como desistente
ela não diz nada
vem e tira fotos
eu não digo nada
nem abro os olhos.

Ela guarda o filme da máquina
no congelador em minha cozinha da infância
e entra em seus aposentos sombrios
(quarto da irmã?)
eu pego o filme gelado
revelo (rebelde)
e guardo.

Como se o pacto de silêncio mórbido
nos aproximasse
estamos num carro
num drive-in
eu espectro, quase inexistente
ela descontente, reclamando com amigas que chamou
"Está difícil achar alguém que não me faça mal..."
me deixa as sobras de pipoca e refrigerante sem dizer palavra
(que devolvo em silêncio, silêncio mesmo em que revelei minhas fotos)
e ela fala do vizinho desinteressante que tentou tentar
e meu peito acelera em silêncio até o despertar.

(Pai nosso que estás ao léu,
estou rimando ar com ar...)

Acordo sem entender meu silêncio
com vontade sobrehumana de perguntar simplesmente:
"Tudo bem?"
mas o trem
o tempo
o pacto
a mágoa
o livro
a ainda esperança de cura da doença que foi amar
através do não-dito (publicado)
e da distância (inventada).

Como é difícil
não estarmos mortos
e fingirmos star.

(Queria alguém
para sentar na beira da cama
contar nossa história
e chorar.)

(Fabio Rocha)

terça-feira, 13 de abril de 2010

OBITUSAN

falta

falta

é incomensurável
há uma flauta de poesia morta
na esfinge que finge
na estante do antes
que te come o ser

derramo musgos e líquens
de poros pelos pernas
tudo que vive e morro
sem ventos
uivando

há uma falta
de ouvidos
aqui
e


(quando eu começar
a joãocabaldemelonetear
é que virei meu sobrenome:
me quebrem)

há uma raiva
e acreditem
não sei bem
contra que
ou contra quem

acreditem

andar na praia de noite
e perder poemas no escuro

tapo
ouvidos
ouvindo
música
mas nenhum som pode substituir
o tempo que não tenho

o tempo de que falei
é tempo
de falar
do tempo:
o tempo pra dormir não basta nunca
e dormir ou acordar não basta nunca
nada basta nunca
o descanso no ônibus não descansa
esperemos o feriado
daí chega o feriado
e que merda de feriado
e acaba o feriado
e lá se foi o feriado
musiquinha do Fantástico

mas sim
sim sim
salabim
talvez eu esteja apenas
me a-d-a-p-t-a-n-d-o à essa maldita L--E--N--T--I--D--Ã--O
e tudo passe com o fluir do tempo
e ao pingar meu último musgo vivo
eu siga vivo
sim
sim
líquens já

tirando esse cansaço eterno
melhor estar lá sem terno
que na auto-prisão de meu quarto mesmo

ou não

no momento
sem mais para o momento
foda-se

(Fabio Rocha)

ESTADO: SONO DANADO

o fluir do tempo
frio desalento
borboletas brancas
vias de cimento

(Fabio Rocha)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

PÚBLICO: FUNCIONÁRIO

apesar de tudo
a pesar de todos
sai o sol

ainda

caminho sozinho
leio Caio
e tenho salário

(Fabio Rocha)

sábado, 10 de abril de 2010

TRECHO

para que eu possa te banhar com essa vontade, essa ternura que carrego comigo e moldo e acarinho e alimento enquanto não estás aqui...

(Fabio Rocha)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

EU DEVIA ESTAR DORMINDO

Eu
preciso de alguém
que consiga vislumbrar
sem subterfúgios
o vazio da existência
para que possamos
chorar juntos.

(Fabio Rocha)

EU ESCREVO SEMPRE

Eu escrevo sempre
pela nesga
da fresta
do risco
riscando a realidade
de proibições
e acessos negados.

(Fabio Rocha)

terça-feira, 6 de abril de 2010

ADULTO

prometo
e não cumpro

fodo
e não cumprimento

recebo
e não dou

finjo me importar
na vã esperança
de que ela se importe

escarro solenemente calmo
em todos os pratos em que comi
e durmo bem, obrigado

e a família
vai bem?

estou perfeitamente adaptado
ao mundo em que vivemos

(Fabio Rocha)

domingo, 4 de abril de 2010

QUASE PÂNICO AO OLHAR UM LIVRO NO CANTO DA PRATELEIRA!

minha vó tentava nos proteger:
da picada de besouros (podia matar)
de tomar manga com leite
das aranhas venenosas nos sapatos
do ar gelado do refrigerador...

ah, minha vó,
a grande ameaça
é o amor

(Fabio Rocha)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

DE ONDE VIM

faz frio

onde a casa
nunca foi
cabe agora
nada

as paredes bejes
decoradas
(tudo pronto
para quem
nunca vem)

eu
apesar de tudo
eu
intruso desde
sempre
fardo

esses armários militares
tão
nada
meus

esse silêncio
esses meus livros de poemas
por ler

esse não falado
exceto das aparências e superficies
bejes que nos cercam
prendem ao nos soltar
e ainda fingimos de lar

(Fabio Rocha)