terça-feira, 3 de julho de 2001

e-book Na Medida do Impossível (2001) - revisado em 2014










NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL


Fabio Rocha




Copyright © 2001 por Fabio Rocha - revisado em 2014

Registro EDA – Biblioteca Nacional:
Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL
No. Registro da Obra: 233566
Livro: 412
Folha: 226
Data de Registro: 3/7/2001
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Na Medida do Impossível

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br






PRÓLOGO PARA UMA POÉTICA DO IMPOSSÍVEL

por Ricardo Alfaya

Depois de “A Magia da Poesia”, 2000, livro de estréia no qual o poeta carioca Fabio Rocha reuniu uma seleção de poemas escritos desde 1994, o Autor brindou seu público, em março deste ano, com o belíssimo “Tudo pelos Ares”, sobre o qual também tivemos o prazer de tecer alguns comentários. Embora tenha apenas 25 anos de idade, o trabalho de Fabio tem chamado a atenção dos leitores de poesia, além de vir obtendo diversos prêmios em concursos. Assim, estimulado pela boa receptividade, praticamente em seguida ao lançamento anterior, o poeta oferece este “Na Medida do Impossível”, que, justamente pela proximidade no tempo com “Tudo Pelos Ares”, incentiva a observação das sutis nuances diferenciais presentes no terceiro trabalho, nas quais se percebe a expressão da singularidade que o constitui.

Para começar devemos admitir que, individualmente considerados, quaisquer dos poemas de “Na Medida do Impossível” poderiam figurar em “Tudo pelos Ares”, sem prejuízo das qualidades de unidade de conteúdo, originalidade de discurso e sabor da palavra tão ressaltadas por nós naquela Obra.

Por outro lado, se enganará quem, em função disso, imaginar que “Na Medida do Impossível” seja apenas mera repetição. Na verdade há um “plus” neste terceiro livro, pois o conjunto de poemas, escrito no período de fevereiro a junho de 2001, assume um certo caráter de diário. A substituição do diário em prosa por um fazer poético quase diário assinala uma das tendências da produção poética contemporânea, sobretudo nos tempos pós-Internet. Já a poeta Rosy Feros teria sugerido o fenômeno, ao intitular seu belo e premiado livro como “Tecendo Diários”. Aliás, não sem razão, Rosy vem desenvolvendo animadamente a atividade dos “blogs”, sistema que constitui um retorno aos diários, mas em forma pública e eletrônica pela Rede. Entretanto, se Rosy o sugere, Fabio Rocha torna explícito o fenômeno da substituição, quando o refere claramente no poema “Diário”. O mesmo poema soma ainda um outro ingrediente, que diz respeito à própria proposta do livro como um todo, assunto sobre o qual falaremos mais adiante. Repare-se, a propósito, no texto mencionado:

DIÁRIO

Parei de escrever
diários.

Agora
minha poesia quase diária
já fala sobre tudo
que não faço.
E não tenho
que pôr pingos nos is.

Assim, tudo que o poeta experimenta e com que interage eventualmente se pode tornar objeto de sua pena: o telefone ocupado, a notícia do jornal, a imagem na tela da TV, a lembrança da namorada, a borboleta que passa (ou que se imagina que passa), a efêmera peculiaridade de um determinado momento. Em geral o registro é curto e não se limita à tentativa do relato conforme a realidade, no que se diferencia da linguagem dos diários. Os fatos são transformados em razão das urgências poéticas do Autor. Desse modo, a poesia, enquanto diário, revela-se, paradoxalmente, um antidiário.

Porém, não apenas por essa razão constitui um antidiário. Ao leitor não terá passado despercebido o sutil detalhe do poema acima transcrito: a poesia de Fabio, enquanto diário, diz daquilo “que não faço”. A afirmação provoca estranheza. Afinal, em poucas obras de poesia se constata a presença de um poeta tão variado e itinerante. Desde seu livro de estréia, Fabio Rocha percorre atento o movimento das menores coisas, caminhando reflexivo, lírico e lúdico por notável diversidade de temas.

Observe-se que eu disse “caminhando”. Também Cecília Meireles, poeta expressamente homenageada nos versos de Fabio, tinha essa característica da observação das coisas. Quem lê Cecília, tem a sensação da riqueza do mundo. Cecília inúmeras vezes desce às minudências das coisas, capta detalhes de folhas e insetos, o significado de um gesto, da transformação de uma linha da face. Porém, quando estamos com Cecília não temos a sensação do poeta em movimento; sim, pleno de atitude contemplativa.

De outro modo sucede com a poesia de Fabio que se mobiliza junto com o movimento das coisas e do mundo. Ele não apenas contempla, interage, está dentro do absurdo vulcão dos acontecimentos. Fabio cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante cinco anos, sem concluir o curso. Optou pelo de Administração de Empresas, que faz atualmente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Em sua poesia ele fala de seu trabalho e de seu estudo, bem como de tudo que lhe sucede: elogia, briga, dialoga, sofre, diverte-se, critica, "chuta latas", ama, manda "tudo pelos ares"; sobretudo, os "ares" da Rede, conforme me observou numa de suas mensagens.

Logo, esse “que não faço”, longe de relacionar-se com um estado de inatividade permanente do Autor, vincula-se a dois outros aspectos. O primeiro equaciona de maneira sutil o fazer da poesia com o imprescindível tempo de ociosidade necessário ao fazer artístico. O tempo do poema é, portanto, o tempo do “não-fazer”, o tempo “inútil”, isto é, o registro diário poético somente se pode dar quando o indivíduo se vê por fim desembaraçado das “utilíssimas” e estressantes obrigações impostas pela sociedade contemporânea, sem as quais não é possível sobreviver. Daí, a opção pelo poema de linguagem concisa, verdadeiros “cortes” impostos pelo poeta aos ditames da realidade. Realidade que absolutamente não aceita e com a qual não concorda, atitude expressa em vários poemas, e bem claramente no belíssimo trabalho intitulado “Para Álvaro de Campos”.

Temos aí, portanto, o primeiro ângulo em que a “medida possível”, o poema conciso, medida imposta pelo escasso tempo e condições em que o poeta é forçado a trabalhar, resulta numa “medida impossível”, posto que desfalece o poeta numa sensação de incompletude. Por incompleto, rarefeito e disperso, ignorado pelas grandes editoras e apartado de um público mais amplo, e ainda em meio ao tiroteio das cada vez mais múltiplas e individualizadas manifestações da poesia existente, o “fazer” termina por assemelhar-se a um “não-fazer”.

Quanto ao segundo aspecto, do “que não faço”, ele encaminha à reflexão maior que atravessa a Obra. Reflexão que, no início desta apresentação, dissemos tratar-se de um importante diferencial em comparação com “Tudo pelos Ares”. Refere-se à união criticamente realizada pelo poeta entre a crise poética e as crises social, política e existencial.

A primeira pista aparece já no título do livro. Em seguida, ganha maior nitidez com a alusão introdutória à Obra, feita a partir do seguinte trecho do poema “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo (...)”

Por fim, o significado surge inteiro após a leitura dos diversos textos, quando chegamos ao excelente poema-título, estrategicamente colocado no final do livro, o último que se lê, no qual o Autor retoma e amarra a idéia central que lhe inspirou a organização do conjunto:

NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL

Queria arrombar com versos pesados
as portas do Paraíso.

Escritos com o sangue dos expulsos
e a revolta das gerações infindas.

Queria voltar ao que nos pertence
com um poema
na medida
do impossível.

Portanto, o segundo significado para aquele “não-fazer” diário, correlaciona-se com a aparente ausência de sentido daquilo que fazemos em nosso dia-a-dia, o que inclui o próprio fazer poético. Se o que fazemos não “faz sentido”, equivale, em última instância, a um “não-fazer”. Logo, o “Paraíso” aludido no poema tanto pode ser percebido num sentido físico (social e político), metafísico, quanto metalingüístico.

Pode-se com propriedade concluir que Fabio Rocha se insere na herança cética e nihilista que vem desde nomes como Fernando Pessoa e Drummond. Ceticismo e nihilismo esses que se tornaram constantes e cada vez mais recorrentes na poesia em geral praticada nas duas últimas décadas anteriores à virada do Milênio, como um autêntico mal de “fim-de-século”. Entretanto, a conclusão, resumida nesses termos, não me parece que iluminará o melhor entendimento da escrita do poeta, tampouco trará a lume o detalhe que revela sua peculiaridade.

Sim, porque é disso praticamente que se alimenta a boa poesia feita em nosso tempo: ser capaz de um detalhe peculiar, que lhe seja inteiramente próprio, por mínimo que seja, dada a enxurrada de autores existentes, em sôfrega experimentação diária de todas as formas, palavras e recursos.

Um desses traços incomuns diz respeito justamente ao desassombro com que o poeta expõe todo fazer como um “não-fazer”. Não se trata apenas, como se tornou habitual constatar ou falar, da relativa inutilidade do fazer poético, ou da aparente “falta de sentido” da existência. A negação em Fabio atinge um limite extremo, posto que sequer reconhece realidade, concretude, em todo pretenso fazer da atividade humana. Trata-se de uma operação de caráter tão radical que, mais do que conduzir a uma amargura drummondiana ou a uma angústia à Fernando Pessoa, termina, paradoxalmente, por atingir um caráter libertário e transcendente.

Nada de choro ou ranger de dentes. Tampouco sucede como em alguns personagens de Samuel Becket, cuja consciência da inutilidade de qualquer esforço conduz praticamente a um imobilismo que se resume à espera de um “salvador” Godot. Ao contrário, em Fabio Rocha é quase com serenidade, com intimidade, com absoluta leveza, com humor e até mesmo com declarado orgulho, que o poeta conduzirá o leitor à constatação do fato. Chega a recordar a atitude dos orientais quando nos revelam com voz mansa que “o mundo é ilusão”.

E aqui se revela por fim o último traço especial na escrita de Fabio Rocha. Traço que, sem dúvida, começa já a situá-lo, aos 25 anos, como um poeta do Terceiro Milênio. Se a sobrevivência ao total desencanto de tudo conduz à liberdade, o que fazer dessa liberdade, se todo fazer encontra-se de antemão condenado a ser um “não-fazer”?

A única resposta que parece possível diante de tão desconcertante quadro é partir para uma atitude inaugural calcada em nova ordem de valor. Não basta constatar, como Álvaro de Campos, que se tem em si “todos os sonhos do mundo”. Não basta, se continuamos a achar que a realidade possui valor maior do que o sonho. E que por possuir maior valor, sugerido pela aparência de solidez, a ela cabe o direito de manter contidos e quietos no abissal fundo do eu os sonhos que se tenha.

Se todo fazer configura na verdade um “não-fazer”, então a realidade é “nada”. Nesse caso, o sonho, o desejo, que se situa numa dimensão que transcende essa realidade lhe é superior. A realidade dirá que o sonho é impossível. Todavia, que legitimidade, que autoridade terá a realidade para falar, se, em última análise, ela é feita de “nada”? Talvez por isso, Borges, afinado com o budismo, entendesse que a poesia não se devia submeter à realidade, mas sim, exercitar-se na expressão do sonho, do desejo.

Considerando-se por esse prisma, a expressão “Na Medida do Impossível” despe-se de sua aparente ironia e negatividade para adquirir o sentido maior de um desafio a ser vencido. De certo modo, toda a expressão passa metalingüisticamente a referir ao próprio fazer poético. A poesia que tiver capacidade, força e originalidade para expressar os internos “sonhos do mundo” realizará em si a impossível medida. Ora, tudo isso possui um singular e fascinante sabor inaugural e transcendente, um explícito e ousado convite à ação. Um tom, portanto, muito diferente do ceticismo amargo ou do nihilismo paralisante, presentes em grande parte da poesia do Século e do Milênio passados.

Por fim, não me parece demais salientar que “medida do impossível” remete sonoramente a “menino impossível”. Diz-se de um menino “impossível” quando seu comportamento recusa a forma, rejeita o molde. Se pensarmos assim, reconheceremos que todo bom poeta possui algo de “menino impossível”, que “faz arte”. Jesus também foi Menino, sem dúvida animado por uma missão que sugere o impossível: fazer com que cada um ame ao Outro como a si mesmo. O possível é o existente, o conhecido, o assimilável. Todavia, como diria o grande psicólogo Wilhelm Reich, em “O Assassinato de Cristo”, toda criança que nasce contém em si a potencialidade para a plena realização, desde que a sociedade “não assassine o Cristo latente que existe em cada criança”. Somente a criança ou aquele que puder tornar-se uma, poderá pretender inaugurar e realizar o impossível. Igualmente apenas dessa forma, conforme vaticina Jesus, habilitamo-nos a ascender ao Reino. Ou, como percebeu Fabio Rocha, exclusivamente com atitudes e versos “Na Medida do Impossível” estaremos aptos a ”arrombar as portas do Paraíso”.

Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2001.

Ricardo Alfaya, poeta, contista, cronista, ensaísta, editor e jornalista carioca.















Para Marise de Sousa, minha borboleta azul preferida.





















ESDRÚXULO

Arde o fogo
e mertiolate
sem cachorro.

7/3/2001



PARTES

(Para Andréa)

Te acho
em partes
em outras.

Nunca são inteiras.

Nos olhos outros,
partes.

Nas falas outras,
partes.

Partes eternamente...

Uma alvorada
que finge brilhar
e escurece.

7/3/2001


TELEFONE

Ocupado?
O cupido,
o culpado.

7/3/2001


OS PÁSSAROS?

O sol renascia.
Bocejadamente abri a porta.
O horizonte se escondia atrás das árvores.

Entro no estábulo de folha
e alimento minha criação.
Do balde ao chão:
consoantes, dígrafos, cedilhas...

Comem caladas.
Levo duas ao colo e as embalo,
dou tapas nas costas, faço de tudo
mas não rimam.

Foi quando estranhei um estranho estranho ali parado.
Sem métrica para prendê-las,
todas voaram, cheias de sons pensados,
para seus olhos.

12/3/2001


NA FARMÁCIA

Para as mulheres
com beijos de fuga,
infinidade de nós pelas costas,
plenitude de nove-horas
e olhar de adeus,

o melhor remédio
é indolor, trissílabo e não tem reações adversas:
distância.

14/3/2001


PARA ÁLVARO DE CAMPOS

Ah, este ser aí sentado,
mão no queixo, olhos perdidos,
cercado de excesso por todos os lados,
não sou eu.

Eu sou o que há escondido
sob as camadas de pele, gordura, músculos, ossos e raiva.

Meu anseio é brutal,
quer comer o incomensurável...
e quer estar sozinho, como tu, poeta!
Soltem nossos braços!

Este anseio leva meu eu a pisar forte a realidade e suas teorias malditas,
cerrar os punhos, trincar os dentes e pular,
com a força de seus versos vivos,
como nunca se pulou antes.

Seguindo o conselho dos ventos,
na ascensão impossível,
babo chuva no grito absurdo contra as leis da gravidade.
E me agrada não encontrar
o teto do céu.


Caio como uma bomba
de nada.


Esse aí parado...

não...

não sou eu.

15/3/2001


PARA O MATO OU PARA A BAHIA

Aperto o passo
e o tempo encurta.
Quero partir.

Mas não parto.
Ah, realidade maldita!
Trinco os dentes
e nunca parto.

Adio a data,
invento desculpas...

E permaneço,
com a dor do parto
por não partir.

30/3/2001


TANGO MIO

Perdi o passo.
Sem equilíbrio,
pisei no pé do caos.

Meu ócio antigo
Se embriagava no bar,
cercado de inimigos.

O sonho não realizado
fumava-se, cabisbaixo,
num degrau abaixo.

Adivinhei minha esperança inteira
lá fora, no beco de Bandeira,
mendigando.

Ah, se em minha alma
Tocasse funk...

31/3/2001


REVELAÇÃO

Eu me esqueci no armário.

Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!

Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.

Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado.

1o./4/2001


ESMOLA

Senhor, não quero o seu Real.
Basta uma Ideologia.

O Socialismo se engasgou na fila do Mc Donald’s.
O consumismo martelador quebrou o muro inquebrável.

O que eu faço?

Administração de Empresas
e jogo Street Fighter.
(com Ryu e Wolverine ninguém me ganha)

Tenho 25 anos,
não vejo cor fora de uma tela,
não escuto estrelas que não gritem,
não me encaixo em nenhum quebra-cabeças
e meu pai diz
que não sei mastigar com calma.

9/4/2001


CEGOS, SURDOS E LOUCOS

Meu professor de canto
era surdo-mudo.
Com ele aprendi
a olhar os cantos dos cômodos.

E foi num desses becos de Bandeira
que um cego me ensinou
a errar os caminhos.

9/4/2001


GÊMEOS

(Para Marise e Pessoa)

Meu eu literário quer vencer o mundo,
meu eu real não quer sair do quarto.
Meu eu literário consegue ser profundo,
meu eu real, só pra falar já é um parto.

Meu eu literário conquista,
meu eu real perde.
Meu eu literário é comunista,
meu eu real no Mc Donald’s se diverte.

Meu eu literário existe,
meu eu real finge.
Meu eus se encontram, tristes
no cinza do egoísmo que os tinge.

15/4/2001


REAL IDADE

Sou alienado consciente.
Trabalho em greve interior.
Me falam de dor de dente,
ouço poemas de amor.

20/4/2001


POETRIX ELETRÔNICO

No momento não posso escrever.
Deixe o seu olhar
após o final.

20/4/2001


GÊNIO

Não tenho tudo que amo
Mas não amo tudo que tenho.

Corro atrás de minha sombra
com todo o meu empenho.

30/4/2001


CONSTATAÇÃO POÉTICA

Entender o sentir
é como dançar azul,
cantar a lira,
jurar o medo,
beber a pira,
sorrir azedo.

30/4/2001


RAÍZES

E me sentei ao sol
sob a velha marquise.
Escrevi sobre tudo,
só pensei em Marise.

30/4/2001


ENTRE

(Para Marise)

Entre mim e mim
há vastidões de silêncio.

Vontades empoeiradas
seguem placas desorientadas.

Sonhos novos e antigos
brigam
invisíveis
inimigos.

Entre mim e você
há legiões de querer.

1o./5/2001


VIDA BESTA

(Para Drummond)

Hoje eu quero
me desfazer em versos
pois espero
o dia lesma passar.

Almoço
purê de batata
mastigando devagar.

A tarde sem sal
no trabalho sem sol
arde demoradamente.

Chego em casa
com preguiça de existir
e caso com a cama
num abraço vagaroso.

3/5/2001


POESIA HOJE EM DIA

No nada cinza
caço borboletas mortas
com a rede furada
para expô-las no dia que não chega
onde ninguém vê.

3/5/2001


IF

Se fazer poemas
fosse falar difícil
quereria eu ser
o síndico deste edifício
ou o porta-voz da presidência.

3/5/2001


POEMA MEGALÓPOLE

(Para Casimiro de Abreu)

Não cheiro flores, cheiro gás...
não vejo mares, vejo gris...
não rimo amores, rimo ais...
não ouço estrelas, ouço imbecis...

Mas insisto em escrever poemas.

3/5/2001


ALEGRIA

(Para Drummond)

E eu aqui nesta cidade,
cercado de realidade,
aumentando a minha idade,
alérgico a felicidade,
procuro flores no asfalto.

8/5/2001


DESPROFISSÃO

Escrevo poemas.

Não sou mais rico,
não sou mais feliz,
não sou mais nada.

Mas sou.

9/5/2001


ESTRANHO

É estranho
mas, certas vezes,
quando cerro a mão direita
com a raiva habitual,
não vejo nela
o dançar do fogo dourado
e chego a pensar
que não sou um anjo de Deus.

15/5/2001


ALTO

A poesia é um GRITO
contra todos
os meus silêncios.

17/5/2001


A CASA DO CAMINHO

Caminho.
Esterco.
Sempre me perco.
Não quero chegar.

Pelos campos imaginários
Levo palavras e saudades
Em minha inutilidade.

Respiro palavras
e ouço as larvas
nos casulos.

Elas,
sem janelas,
respiram também.

Ah, quanto céu...
O barro no pé
é de Manoel.

Sorrio
ao molhar as mãos no rio
escrito.

(Por vezes
me acho
em riachos)

Meu objetivo de vida
é ser casa demolida
com pombos
nos escombros.

24/5/2001


GRAVIDADE

A pedra
que levo
no nome
me some
o peso.

24/5/2001


UMBIGO

(Para Marise)

Palavras perdidas
em sua barriga
o ponto final.

24/5/2001


EDUCA-CÃO

(Para Paulo Emílio)

Vamos, filho...
Acorde antes do sol,
ponha seu uniforme branco,
pegue o trem dos anônimos
e vá aprender a não criticar.

25/5/2001


DIÁRIO

(Para Fábio e Eduardo Neto)

Parei de escrever
diários.

Agora
minha poesia quase diária
já fala sobre tudo
que não faço.

E não tenho
que pôr pingos nos is.

26/5/2001


TROTE

Pato, pata,
Porco, porca,
Pingo d’água,
mosca morta,
cerca branca,
velha torta,
branca vaca,
negra bosta,
tudo passa,
tudo passa,
tudo passa,
tudo passa;
tudo passa.

Tudo passa...

Epa...

O poema empacou.

29/5/2001


DESLIGADO

Apague a TV.
Esse refletido na tela
é você?

5/6/2001


ECONOMIA

Beijo pouco
porque a paixão morre um pouco
a cada beijo.

6/6/2001


DIARIAMENTE

Radial oeste congestionada sentido Centro:
Camarão quente mastigado com vidro dentro.

9/6/2001


BRASIL

A sociedade bisonha:
lixões, Piauís, Vales do Jequitinhonha...

Uma criança
por hora
por fome
vira anjo
chora homem.

Empresa
de morte
repete
a linha
de produção
pra terra:

Uma criança
por hora
por fome
vira anjo
chora homem.

E nós aqui
escrevendo palavras
enquanto se come
farinha com água.

18/6/2001


NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL

(A Beethoven)

Queria arrombar com versos pesados
as portas do Paraíso.

Escritos com o sangue dos expulsos
e a revolta das gerações infindas.

Queria voltar ao que nos pertence
com um poema
na medida
do impossível.

24/6/2001





(Fabio Rocha)