sexta-feira, 7 de junho de 2002

e-book Vice-Rei (2002) - revisado em 2014









Vice-Rei



Fabio Rocha



Copyright © 2002 por Fabio Rocha - revisado em 2014

Registro EDA – Biblioteca Nacional
Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: VICE-REI
No. Registro da Obra: 260441
Livro: 466
Folha: 101
Data de Registro: 7/6/2002
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não


Título original: Vice-Rei

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br














Para o amigo e poeta Ricardo Alfaya, que acha tanto no que escrevo tão pouco.






























Por baixo da saia

À primeira vez que tive contato com a poesia de Fabio Rocha, percebi o talento incontestável do autor. Isso se deu a partir do site www.falaê.com.br . Ambos éramos colaboradores. A partir das pistas naquela revista eletrônica - para mim, uma das melhores em termos de diagramação - que visitei a página pessoal do autor www.amagiadapoesia.cjb.net, o que foi uma grande descoberta.

Muitos há no Brasil talentosos e Fabio é um deles. A internet é a saída para todos nós que trabalhamos com arte pois, até agora, com pouco dinheiro nos fazemos circular em tempo inimaginável até o início da década de 70 e em termos de Brasil, até o final dos anos 80, com complacência e até ontem com realismo.

Fabio tem sensibilidade e talento para fazer uso desta ferramenta, se não acessível a toda população, pelo menos à classe média. O site, A Magia da Poesia, muito bem diagramado, diria até que revelando um outro talento do autor, o das artes plásticas, ou quem sabe, desta tão falada poesia visual, chama atenção primeiro por isto: pelo show visual que nos dá em economia de formas e precisão estética. Ao longo do tempo, conheci seus poemas nus. Sem a roupagem rica das cores e da animação cibernética. Estavam lá versos verdadeiros, versos por inteiro. Sem dúvida, sua poesia perde muito sem suas vestes plásticas. No entanto, percebe-se o ente nu, totalmente desfolhado, mas não esfolado. Com o livro que temos aqui se comprova isso. São poemas curtos, à moda atual, tão vilipendiada por críticos nostálgicos de um tempo em que a genialidade parecia ser o comum e o normal nunca existido.

Principalmente entre jovens, a poesia tem sido curta. Que queriam os mais velhos? Como debruçar-se sobre epopéias e enormes sonetos com a rapidez em que estamos imersos, na qual nascemos? Seria forçar a mão em busca de um sonho perdido. Mas, que sonho? Quem poderá dizer a época mais profícua para versos? E não houve Safo e muitos outros que em poucas linhas diziam quase tudo? Sem dúvida, muito se perde por julgar um poema pela quantidade de versos, presença de rimas, ou imaginárias missões maiores.

Certo é que muitos preguiçosos e orgulhosos de sua ousadia rabiscam palavras de ordem ou de segredos sem notar que o poema curto não é uma regra, não se esgota e nem é uma grande descoberta ou invenção pós-moderna.

Se curto porque deva ser curto, que seja, e se está curto porque não está pronto ou nunca estará que se estude e se trabalhe no balbucio primeiro. Esses, que também são muitos, fazem deste estilo, seu estilo, sem notar que ficaram presos no próprio reflexo à maneira de Narciso e nem sabem em que estão afogados.

Em Fabio, percebe-se que há um trabalho em constante evolução e seus poemas se fecham no círculo necessário a qualquer projeto. Ele sabe terminar um poema. Eles acabam em si. Eis o ponto crucial de Fabio, o que o singulariza. Realmente temos poemas muito curtos. Curtos o suficiente para nos surpreendermos. Vejamos o poema “Casa”:

Quero estar em casa
longe dos olhos alheios,
minhas sombras sempre estranhas
e esses malditos espelhos.

Que se pode acrescentar a este poema? Que dizer dele além de: sim, é verdade eu sinto isso. Mas, atenção ao sentido de leve escamoteado pela ausência da preposição “de” nos dois últimos versos: longe dos olhos alheios, minhas sombras... Com a atenção que peço ao leitor, vejo o seguinte: Quero estar em casa/ longe dos olhos alheios, de minhas sombras sempre estranhas e desses malditos espelhos. A preposição pode ser suprimida se presente no início. E se o poeta não a sumprimisse o poema perderia seu valor se não totalmente, em grande parte. No entanto, também se poderia entender os versos últimos como aposto em que olhos alheios seriam as sombras estranhas e malditos espelhos onde o pronome esses reforçasse ainda mais a ira do autor. Sim, esta é uma segunda leitura do poema. Na primeira, uma referência ao resto da população que rodeia o poeta, o mundo e seus obstáculos enormes, a casa como refúgio tranqüilo onde ele pode ser essência e não reflexo, sem espelho, com olho de alma invisível e sensível. No segundo a referência ao grande Outro, na consciência de que o inferno não são os outros, é o Outro disfarçado de outros, como não diria Sartre, porque Lacan ainda não teria difundido sua idéia de Grande Outro.

Percebe-se de pronto a personalidade do poeta, uma personalidade tímida e bem humorada como costumamos ser, brasileiros. Manuel Bandeira mesmo triste e choroso é cômico, ou não? Que dizer da relação que teve com Elizabeth Bishop quando esta foi presenteada com uma casa em Petrópolis ao lado de uma mulher como Lota. Bishop o achava típico, como os demais brasileiros, como se vê em suas cartas. Mas, quem está de fora, vê que também ela era típica, falava de versos puros e se torturava por serem tão difíceis. Bandeira deitava na rede, tranqüilo e seus versos falavam das coisas simples do coração. Bishop queria falar dos barcos, do porto de Santos, do encardido que não estava nela, ou se estava, não achava que deveria ser a poesia meio para mudar seu espírito. Bandeira, se falava do coração, de seus sofrimentos de raquítico, não era para purgar-se disso, mas para desabafar, para apaziguar-se e com os versos fazia comunhão com a sabedoria da serenidade do miserável, tirando místico prazer da dor. Bandeira era um poeta brasileiro de versos quase sempre engraçados, apesar de falar de coisas quase sempre tristes e Bishop uma missivista de língua saxônica, cômica, altamente cômica, em cujos poemas se vê um olhar estupefato, e mesmo que não quisesse, com o lampejo das almas sábias, que em tudo vêem um risco de graça.

Há humor nos versos de Fabio Rocha, mas é um humor sem intenção, um humor inerente à condição dos frágeis. Ele se mostra frágil em seus poemas, cônscio disso nos versos, sem auto-piedade, apenas mais um dos aspectos de sua poesia e essa fragilidade exposta é que dá a primeira impressão de uma comicidade e de se tratar de um poeta menos profundo. O que é engano enorme. Na releitura de Fabio é que percebemos que o humor, a graça primeira, era apenas um véu sobre o trágico da condição humana, das inúmeras limitações e fascinações a que somos expostos. Vejamos “pressa de amar”:

Sou aquele
que chama
pra dançar
e nota
que não tem
pernas.

Fabio Rocha é um poeta que levanta a saia. Mas, é preciso que o leitor não tenha pressa em o tragar, nem de o julgar. Ele levanta a ponta da saia. O leitor desnuda o vice-rei cômico, para descobrir uma verve autêntica de poeta que não veio para fazer rir, nem para fazer chorar, mas para fazer arte.

Elaine Pauvolid























SEM TIDO

Lá fora a lua brilha,
o vento uiva
e pessoas buscam.

Ah, eu quero entender o mundo...

Ou apenas
fazer um poema profundo.

28/12/01


FILOSÓFICO-RELIGIOSO

Por temer a morte,
o homem criou a religião
no oitavo dia.

No nono,
com dor de solidão
nas costelas magras,
o homem - esse portento
inventou o casamento.

29/12/01


MODAL

Minha irmã diz
que escrevo sempre
o mesmo.

Falta pano
nas metáforas
com que visto
o real.

30/12/01


LUGAR DIFÍCIL

Por falta do que fazer,
ando.

E o silêncio do caminho
me empurra
para dentro de mim,

onde sombras de amigos
suspeitos
espreitam

e vontades de amores possíveis
vão crescendo e corroendo
estradas sem direção.

30/12/01


CASA

Quero estar em casa
longe dos olhos alheios,
minhas sombras sempre estranhas
e esses malditos espelhos.

1o./1/02


ÚLTIMA PRAIA

Foi no mar
pensando em amar
que Iemanjá cutucou-me a canela
com um relógio.

(E funcionava!)

Seus ponteiros bussolavam:
não se acha o amor,
o amor é que te acha.

4/1/02


QUEM É VOCÊ?

O amanhã nunca vem...

E eu também
não vou além
de mim, refém
do eterno quem.

6/1/02


CENTRO

É desse chão cinza
regado de stress
que nascem as estranhas
plantas bípedes concorrentes.

Seus frutos são negros
quadrados
tem alças retangulares
e quase nunca caem.

Plantas que se movem
sempre
com ou sem vento
com ou sem chuva
com ou sem vontade
com ou sem vida.

7/1/02


QUANDO CRESCER

Senhor, eu quero ser mendigo,
esquecer o trigo
e comer o pão.

Eu quero não saber do dólar,
só viver de esmola
e ser ermitão.

Ignorar o mundo e as letras
e fazer caretas
para o camburão.

Sonhar sonhos de ignorância
e só ter a ânsia
de viver em vão.

Comer antifrutas sem sumo
e andar sem rumo
pela escuridão.

8/1/02


LADO B

Revolução!

Tá, e agora?

Como
virar
a mesa
sem quinas
sem pés
sem vidro
sem ferro
sem esquerda
sem direita
sem mesa?

9/1/02


OLHO

Quanto mais
estudo os Grandes,
mais encolho.

11/1/02


PROLIXO

Não é por vivermos em edifícios
que devemos escrever difícil.
Pro leitor, não pro lixo.

18/1/02


VERÃO NO SUBÚRBIO

Como se não bastassem
a acidez do sol
e o bafo do asfalto

ainda tocam
fogo
nos fundos
dos quintais...

e essa música branca
sobe
e arde
a tarde
no pulmão da cidade.

22/1/02


VÊNUS

Nesse mundo cheio de chão,
pleno de terra,
busco
o prazer das coisas
comuns.

Mas só encontro
vontades
de asas
e
deltas
de Vênus.

22/1/02


SE MEU GOLEM FALASSE...

Para Fellipe Cosme

Estou chorando vendo João Kleber,
imaginando pátrias sem hinos,
colecionando crepúsculos de ouro
e me regozijando com sorrisos femininos
vindouros.

(de amadas distantes desconhecidas desmanteladas - amadas que não vêm)

Bailo bailes com minha mão
e nem ouvindo o trovão
meu desejo cala.

Sim, tenho e sou mala
mas não viajo.

Ralho
e quase não saio.

Passa, tempo!

Me vicio em novos videogames e RPGs
e me encontro anão
em pontos de ermitão.

Tempo voa.

Bebo Coca-Cola,
arroto antiglobalização.

Sobra tempo.

Leio Nietzsche,
pergunto Jesus.

Tempo pinga.

Minha pele
expele
pus.

5/2/02


SONETO À SOLIDÃO

Com amor eu tudo faço
pela minha companheira.
E se vejo a lua inteira
Não me basta um pedaço.

E me jogo no espaço
De uma espreguiçadeira
Tendo a alma seresteira
Encharcada de compasso.

Essa música de aço
Que eu faço de bobeira
É pra minha companheira...

E essa cara de palhaço
E esses versos de terceira
São pra minha companheira.

6/2/02


EXTINTAS ESTRELAS – EXTINTAS

A Fellipe Cosme

Raros amantes,
amantes pequenos
com relógios imensos,
caros
relógios intensos.

Procriam no cinza
cada vez mais alto e alto e alto...
mais longe do céu.

Abraçados pelo turbilhão
da população crescente
e anônima
com relógios de nome.

Tropeça a noite
sobre tudo e todos,
mas só alguns
semeiam em folhas
alvas
o cheiro de extintas estrelas
de épocas menos poluídas.

E inventam melancolias
de quando havia casas vazias,
toques de mão,
amigos irmãos,
terra
e tempo.

10/2/02


CELESTE

Para Andréa

O meu anjo negro
eu não possuo.

Suo
tentando achar
escuridão em anjos outros.

E acabo por concluir
que não existem anjos.

19/2/02


A ESTRELA

Na plantação vazia
a vastidão arrepia.
Então eu cultivo
a estrela mais impossível.

22/2/02


A SABEDORIA DAS AMENDOEIRAS

A Manoel de Barros

Quero
não
querer.

25/2/02


DIA DE SOL

O vento me soprou
um céu azul cereja
e vi na borboleta
mais Deus
que na igreja.

26/2/02


MUNDO

Pego todos os caminhos
que me levam a nada
pois tudo é imundo.

5/3/02


DA AGRESSIVIDADE DA BELEZA

Há belezas
que ofendem
as fendas
dos olhos.

No seu equilíbrio
de curvas e cores
parimos faltas.

5/3/02


PÊNDULO

Caminho no campo florido
ouvindo gritos de revolta.

Na palma das mãos,
louvor e sangue.

O sol que brilha
esfria minha alma.

Tropeço em preces
mas a pressa empurra.

Vago e divago
entre
dentro e fora.

(Me falta uma espada
pra cortar espelhos.)

Onde começo eu
acaba o mundo.

14/3/02


ESPADA

Eu sou o imbecil
com uma bandeira
branca no meio da guerra

que costuma levar
espadas
em passeatas
pela paz.

Se me deixam,
choro em nascimentos
e rio em funerais.

Meu rio
não quer
a_mar.

E
vence
a gravidade.

15/3/02


VICE-REI

Eu sempre estendi as mãos
para as borboletas...

Abria os braços
para o passado saudoso...
para o futuro sonhado...
mas nunca tocaram em mim.

Hoje, fiquei imóvel
e uma pousou no meu pé.

19/3/02


MIL E UMA NOITES

Minha boca
já se encheu
de línguas...

Meu esqueleto
escaleno
já se esforçou tanto
em camas e lustres...

Mas minhas mãos
mendigam ainda
em peitos
em busca
dum coração.

30/3/02


DELIVERY

Somos nazistas alienados
contribuindo semicegos
para os campos de concentração
de renda.

Criamos necessidades de consumo
inúteis
matando chances e gentes
ainda mais cegas.

Quem tem olhos,
tem bolsos
cheios
e milhões
de vendas.

5/4/02


POESIA SOCIAL

Sou Sísifo,
mas fraco.

A pedra
não move.

Espero
mais mãos.

14/4/02


METAFÍSICO

Eu sou o último tombo
o filho único da espada
o fim do eterno retorno
a vida e a morte, mais nada.

16/4/02


A LÍNGUA DA PAIXÃO

Para Anne Caroline

Soltem meus braços!

Deixem-me berrar
aos sete ventos
que a vida é boa...

que há línguas
como a tua...

e que amar
não rima à toa.

21/4/02


PRESSA DE AMAR

Sou aquele
que chama
pra dançar
e nota
que não tem
pernas.

27/4/02


BARBA

Eu queria ser feliz
e falar de futebol
mas me interessam
idiossincrasias e cnidoblastos com nematocistos.

Não presto.

27/4/02


SUPER EGO

Um bom motivo
para a tristeza latente
em minha felicidade descrente
talvez seja esse relógio duro
a segurar meu punho
e a ameaça duradoura
das gravatas borboletas atrasadas vindouras
ao pescoço ainda livre.

Quem sabe não é por isso
que os músculos de meu rosto
em protesto
doem
quando rio
sem querer
em festas
de família.

3/5/02


A OSCAR WILDE

Sim, talvez eu devesse
assistir a essa maravilhosa
aula (cópia de livro em giz)
e assim perder
a peça de Oscar Wilde
de graça no anfiteatro B.

Só que...

UERJ - 7/5/02


PORQUE AS ANDORINHAS DE CHUMBO NÃO VOAM

Não crêem.

7/5/02


MATA

A Oscar Wilde

O homem
mata
o que ama
porque ama
o que acaba.

7/5/02


PSI

Se grito
ou falo baixo
não me acho:
procuro demais.

7/5/02


DO FIM

Para Anne Caroline

Suas lágrimas seguraram a minha raiva.
Meu orgulho segurou a minha lágrima.
Minha mão segurou a sua, pela última vez.

Fui tentar me sentir seguro no carro,
e liguei o rádio...

Pensei: “Tudo menos aquela música agora...”
E foi justamente a que tocou.

Aumentei o rádio e olhei o carro adiante
com o símbolo do Batman
simbolizando pra mim: siga em frente.

Não segurei a risada...

Pois nessas horas é que acho Deus
e acho Deus engraçado.


(Fabio Rocha)

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