terça-feira, 26 de julho de 2005

e-book Acre Dito (2005) - revisado em 2014











Acre Dito

Fabio Rocha




Copyright © 2006 por Fabio Rocha - revisado em 2014




Registro EDA – Biblioteca Nacional:

Nome(s) do(s) Autor(es): FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Título da Obra: ACRE DITO
No. Registro da Obra: 347828
Livro: 690
Folha: 488
Data de Registro: 25/7/2005
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não






Título original: Acre Dito




Editoração eletrônica: Fabio Rocha








Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br







Prefácio
Lucimara Sumie Hayoama


Há algum tempo a internet, grande promotora de tantos encontros fortuitos – alguns bem pouco prováveis, não fosse sua existência – fez cruzar o meu caminho a poesia de Fabio Rocha.
Possuidor de uma poesia incisiva, direta e sintomática, Fabio vem, através de Acre Dito, continuar a provar que é possível, com arte e talento, fazer mais com menos; sintetizar e dizer tudo; condensar, sem perder grandiosidade.
A dialética de Fabio é simples, breve. E bela. Não fica devendo, não sobeja, não necessita de aparas. Tem sagacidade e beleza suficiente para despertar os sentidos do leitor. E tem aí finda sua participação: até o absorto do que vai na alma de cada leitor. Sua escrita não busca conduzir para onde o poeta estava no momento em que o papel tomava vida em suas mãos: seus poemas despertam para um desejo, um pensamento, e então, sutilmente deixam a cena, cessam sua intervenção. Nem um milésimo de segundo antes de ter provocado, incitado, excitado nosso raciocínio ou sentimentos, ou raciocínio e sentimentos. A poesia de Fabio nos faz pensar; não busca conduzir, mas sim ser centelha de profundo alcance. Com algumas idéias nos identificamos, de outras, discordamos. Indiscutível é a harmoniosa comunhão entre as palavras. Seus poemas, seus curtos poemas, percorrem longas distâncias.
“É, você me lê direitinho....” me escreveu dia desses. Se só eu lesse – e entendesse – não haveria tantos elogios à qualidade de sua poesia, e Quintana não estaria certo ao dizer que, quando se lê e relê um texto, e não se entende, pode ser problema do autor. Entendo – penso que, ao menos - o que me conta a poesia contida neste livro. Acredito em Quintana. Logo, o mérito pelo entendimento não é somente meu.
Embora meus comentários possam soar como fruto de opinião parcial devido à amizade existente, é bom que o leitor aqui saiba, que a análise primeira foi feita somente sobre a obra. A amizade e carinho pelo autor vieram tempos depois. Indício é de desvinculação entre obra e autor, o fato de que nem quando nos desentendemos, certa feita, (somos humanos, iguais; e tão diferentes...) e o autor me mandou aos quintos dos infernos (com recíproca verdadeira, porém não verbalizada nem escrita de minha parte), deixei de acompanhar seus poemas quase diários. Como pessoa ponderada (que tento ser, nem sempre com sucesso), na época, o ódio (finito, *risos*) pela figura humana do poeta não influenciou na continuidade de minha apreciação do que assim o merece: sua poesia.
Alguns poemas, como por exemplo, “Acredito” ou “Variações Sobre a Mesma Busca”, nos levam, de maneira realista, a olhar para dentro e para os cantos, e enxergar nesse avesso, por vezes belo ou torpe ou disperso, as mesclas entre o que deveríamos saber de cor, e o que não deveríamos nunca, para nosso bem, dar-nos conta. Fabio utiliza como matéria-prima para sua poesia, uma xícara e meia do que recebe (ou toma) do mundo externo; meio quilo e mais um punhado do que cria e deixa crescer por dentro e; uma dúzia de palavras de encaixe conciso, suficiente para dar a forma e trazer à tona a sua idéia. Por último, na receita agridoce dos seus versos, Fabio acrescenta criatividade, inteligência, senso crítico e talento, generosamente a seu gosto e estilo.
Costumo chamar o poeta Fabio Rocha, às vezes em nossas conversas, meu “poeta vivo preferido”. Uma maneira minha de brincar fundindo o que penso realmente com o desejo de agredir - por sofrer a falta - a todos os que nos eram muito antes de nós mesmos, “xingando-os” de mortos. Já se foi ao longe aquele que se negava a ser “casado, quotidiano, fútil e tributável” em seus versos. Também nos deixou o que previa dias que viriam para “premiar-nos com uma laranja ou assassinar-nos de imediato”. Pessoa, Neruda e tantos outros... Muitos dos escrutinadores da essência humana (talvez os melhores, Deus me ajude a estar errada) passaram, e se foram; mas Fabio é prova de que eles deixaram, além de raízes firmes, muito de indelével e, graças a isso, três saudações para o alto: a poesia permanece. Clara e intensa. Mesmo que, por vezes,
não raras,
o acre
dite
as regras
insisto em repetir: a poesia permanece. Segue. Mas você não precisa acreditar em minhas palavras. Pode comprovar por si nas próximas páginas.

Lucimara Sumie Hayoama
http://lumevagante.blogspot.com








ACREDITO

Fica decidido
a partir desta data
que não sei quem sou
nem o que quero
muito menos como ser feliz.

A partir de então
é preciso
recomeçar.

Ah, mas tô cansado e tonto e desanimado e tonto e tonto...

Acredito ser
minha psicanalista
uma anta
porém
pode ser um deslocamento apenas
ou uma transferência
de quando eu tinha dois meses de idade
e não sabia quem era
nem o que queria
muito menos como ser feliz.

Mas era.

Fabio Rocha - 18/04/05



AMOR E MORTE

Dissolver-se aos elementos
virar árvore, carbono, pensamento
multiplicar-se em nada e paz
morrer....

Dissolver-se no outro
tornar-se mais por ser menos
derramar-se infinitamente em infinitos copos
metade cheios
amar...

A morte ama o amor:
o amor mata a morte.

Fabio Rocha - 08/05/05



AMAR O MAR DE LUCIMARA

Da não procura,
o encontro.

Um pé atrás
um passo no escuro
um tango argentino...

O girar
sem medo
mais perto...

O rosto aberto
os olhos tão perto
os lábios de certo...

O dormir desperto
(junto junto junto muito junto)
sonho antigo...

O silêncio após
a partida...

A água tenta nos olhos
água tanta na rodoviágua da partida aquosa...

(não
não era um filme dramalhão)

O fim-de-semana
foi um poema.

Fabio Rocha - 16/05/05



POETA VIVO

Estou no casulo
não há apuro
não há ar puro
não será o último
enquanto houver um muro
à mão
por destruir
à murros.

Vontade afoita
de espalhar a noite
como rastro de um vôo negro
pelo crepúsculo cortado
que é o outro
afastado
rasgado
morcego.

Nego mamíferos mariposas
(dentes trinco porta)
nego tudo
(dentes trinco porta)
negro.

Havia um tempo
em que perdia tempo
tentando
entender.

Fabio Rocha - 09/06/05



12 DE JUNHO

Lá vem mais um dia doze
lá vem o dia menos doce
sem namorada...

E continuo tonto
e a vida complicada
mais se complica
psicanalisada...

Dar de presente
mar de presente
a um ausente...

Tonto
tento nada
tendo nada
no entanto.

Fabio Rocha - 10/06/05




SPAM

Emagreça
dormindo:
morra.

Fabio Rocha - 17/06/05



MÁSCARA

De quando em quando
em casa
me trago em mim
(água)
uma raiva e uma força
(mágoa?)
irreconhecível.

Quase o Batman.

Fabio Rocha - 20/06/05



PSICANÁLISE FREUDIANA

Agarro a gruta
pela goela
com força bruta
olho em seus olhos
meus:
morte.

Dentes trincados
pelos eriçados
um gato que foge
pro escuro
por mais que se aperte.

(Seu tempo acabou)

Fabio Rocha - 02/07/05



PLANOS DE APOSENTADORIA NO ESCRITÓRIO

O teto tá caindo
a velhice chegando
o celular não tocando...

A calma tá correndo
o chefe não chamando
o relógio doendo...

Fabio Rocha - 08/07/05



SEXXXXXXTA

Estatisticamente
sexta-feira é o dia em que mais faço poemas
mas estatística mente.

Fabio Rocha - 15/07/2005



FASE LEGAL

Depois do domingo
vem a segunda
depois a terça
como se não bastasse
a quarta
então o inferno da quinta
trinca a sexta longa longa interminável...

Nos dois dias seguintes
aumenta o índice de depressão e suicídio.

Tenho pressa constante
mas nenhum lugar para chegar.

E no final da vida a gente morre.

Fabio Rocha - 21/07/2005



EDIFÍCIO MASTER

Trago em mim
o constrangimento
dos elevadores
e a solidão
dos documentários.

Fabio Rocha - 24/07/05



CAPITAL

Minto tanto
que acre
dito.

Fabio Rocha - 24/07/05



DA POSSE

Não passe a vida
reclamando:
a vida passa.

Fabio Rocha - 29/07/05



ESQUECE

Esqueçam meus poemas...
Quero casar, ter filhos, separar, enriquecer, gastar, engordar, emagrecer
e ser feliz vendo a TV aberta no domingo.

Fabio Rocha - 01/08/05



RESUMO DE BENS

Tenho
um livro de poesia
uma cama de casal vazia
e um celular que não toca.

Fabio Rocha - 10/08/05



GUSPE

Tenho plena consciência
(quase)
de que escrevo poemas em quantidade
por uma revolta íntima
contra a escrotidão
que é a realidade.

Fabio Rocha - 12/08/05



MUDA MUSA MUDA

Musa
muda
não te quero muda
nem musa...

Tira essa afetação imunda
desce do inalcançável
e vai limpar a bunda
dos filhos que teremos.

Fabio Rocha - 17/08/05



MOTIVO DA INTERNET

As grandes cidades
unem corpos
e separam almas.

Fabio Rocha - 20/08/05



VOU-ME EMBORA

Vou pegar
um avião.

Tudo confirmado
ajeitado
estou indo
muito breve
logo logo
meros dias
me separam
de pegar
um avião.

E voltar.

Fabio Rocha - 22/08/05



POEMA INCONSCIENTE

Será o tempo
o inimigo derradeiro
e o verdadeiro amigo
o final dos tempos?

Fabio Rocha - 24/08/05



A SCHOPENHAUER

Um passo atrás
no escuro:
o mundo não me quer
sem muros.

Logo
não quero
nada do mundo.

A massa
do muro
me fortalece.

Amassa
a dor
dos murros.

Que prazer
libertário
não esperar
não querer
não precisar
não temer
não me angustiar...

O resto é nada.

Embainho a espada.

Respiro.

Basta.

Fabio Rocha - 18/09/05



VARIAÇÕES SOBRE O MESMO MURO

Construo o muro:
é solitário.
Derrubo o muro:
tomo porrada.
Está escuro
não vejo nada.

Construo, é duro
disco arranhado.
E tudo escuro
na madrugada.
Estou impuro
porta fechada.

Construo o muro:
é solitário.
Derrubo o muro:
tomo porrada.
Está escuro
não vejo nada.

Fabio Rocha - 06/10/2005



INVENTO

Eu sou o vento...

De quentes asas
estuprando casas
cochichando orelhas
morte vida abelhas
espalhando a semente
soprando a saia de quem mente
carregando pipas
pólen
vida
prédios postes fábricas
inocentes e culpadas
que se danem as armas
com muitas dores e amores
(não venham falar de flores)
brinco
crio
e mato
o mato dança
corre corre
fogo espalho
brasa
ar falta
asfalto
fogo: fato.

Me fortaleço
com o calor da destruição
o caos pelo capital
e você não faz nada para mudar
além de comprar.

Não se preocupe com o mundo
que vai sobrar
para seus filhos e netos...

Eu sou o vento!
Vou TE tocar.

Fabio Rocha - 13/10/05



MAIS OU MENOS

Quanto mais coisas tiveres
mais coisas quebrarão
mais te preocuparão
mais te farão comprar acessórios de coisas
ou coisas mais modernas e mais rápidas e mais caras
e assim vai-se coisificando tudo
de mais a mais
sendo um pouco menos.

Fabio Rocha - 18/10/05



RIMA POBRE

A cada três segundos
morre de fome
uma criança no mundo.

Fabio Rocha - 23/10/05



TARDE EM BENFICA

Sol e frio
passarinhos cantam tristes
em gaiolas escondidas
(extremamente presos)
cantam triste e devagar
lembrando que tudo pode ser
devagar
mesmo em cidades
superlotadas de gente e pressa
noto as formigas
no cimento rachado da calçada torta
lembro da casa de minha avó
caminho
devagar
venta um pouquinho
sol que não faz suar
as casa velhas e mal pintadas
postes enferrujados
as fábricas ainda mais velhas e mal pintadas
funcionários lentos sempre pendurados
nos postes velhos, falando aos velhos telefones
paredes amareladas
um ciclista na contramão assobia e quase me atropela
ainda estranhamente calmo
vejo e ando e vejo e escrevo em minha mente
calma, ainda muito calma, estranhamente calma
venta fraco
e paro pra tomar sorvete.

Fabio Rocha - 04/11/05



PASSEI-O

"Eu só peço a Deus"
estou imune ao céu crepuscular
"um pouco de malandragem"
estou imune ao som (do oceano e de Cássia)
"pois sou criança"
estou imune à nuvem gigante e rosa
"e não conheço a verdade"
estou imune à estrela pertinho da lua
"eu sou um poeta e não aprendi a amar"
não estou imune aos casais
de mãos dadas.

Fabio Rocha - 05/11/05



INÍCIO DE FÉRIAS

(Para Débora Hübner)

Basta de gritos
Novo Hamburgo sussurra
o vento na taquareira
o tempo lento
os carros poucos
café da manhã sem pressa
companhia
mãos que se tocam
rios que se cruzam
ligações inesquecíveis
duzentos mil desconhecidos (indolores)
são mais que 2 milhões
Novo Hamburgo ensolarado
noite que não cai
pássaros que cantam como lá
pessoas que olham nos olhos
nas multidões menores.

Volto a mim
me vejo
me acho
me sou
andando na manhã da cidade
sem precisar fazer um poema
para fazer sentido.

Fabio Rocha - 13/11/05



DA POSSIBILIDADE DE UMA REJEIÇÃO PRORROGADA

Não venha
me adiar beijos
para um futuro possível...

Minha pressa
é uma presa
de minha ira.

Não, não nos conhecemos ainda
e, se pensarmos bem
nunca nos conheceremos
mesmo que vivamos
cem anos juntos.

O amanhã
não existe
em meu tempo.

01/12/05 - Fabio Rocha



POETRISTE 2

não sei se durmo
se corro
ou se morro

Fabio Rocha – 02/12/05



NOVA ORDEM

Não sei onde me lêem romântico...
No sentido romântico nhém-nhém-nhém, flor e amor...
Trago quatro facas e um canivete
na manga esquerda de minha língua
e dois lança-chamas contra a escuridão
do marasmo, da mesmice, da conformidade.
A minha arte arde na tentativa de um soco.
Atiro atrito metralho pelo despertar
sofro, choro, tento mudar
rimar de quando em vez
mas...

Fabio Rocha – 06/12/05



NÃO FUI EU

Não, não lhe enviei
flores azuis.

Não me conheces mesmo...

Se minhas,
seriam bonitas
seriam sofridas
e vermelhas
sementes
de dores
e amores
vermelhas
enfeites
cadentes
velozes
vermelhos
e vivos
e quentes.

Dúvidas esclarecidas, faça o favor de sumir.

Fabio Rocha - 08/01/05



DO NÃO QUERER ACORDAR

Marise vistosa
de batom vermelho
lindo lindo lindo
de Sousa
no meu sonho
findo.

Fabio Rocha - 19/01/06



CHEIRO MELÓDICO

Relaxante descoberta
em pleno 2006:
Paulo Leminski me era
bem antes da minha vez.

Fabio Rocha - 22/01/06



CHUVAS DE VERÃO

um tiro
dois tiros
tostines
no chão

chove
e a cidade
se alaga:
sangue, biscoito e água

Fabio Rocha – 01/02/06

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